Em rua boêmia de BH, 'museu das putas' vira disputa ideológica

Parlamentares criticaram o projeto depois que vídeo de cidadão repercutiu

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Belo Horizonte

​Um senhor idoso com a camisa aberta até o meio do peito, um jovem estudante, um homem apressado.

No entra e sai das portas na rua Guaicurus, centro de Belo Horizonte, se vê todos os tipos de homens.São o público dos “sobe e desce”, hotéis onde as prostitutas atendem. O nome vem do movimento nas escadas que levam até os corredores cheios de quartos.

A Guaicurus sempre foi conhecida como zona boêmia e pelos armazéns que recebiam carregamentos de arroz, feijão e café.

Dizem que o cineasta Orson Welles passou pelo Montanhês Dancing, certa vez, nas imediações do Magnífico Hotel, onde uma longa fila de homens se formava para ver Hilda Furacão. 

Detalhes da arquitetura da casa onde deve funcionar o Museu do Sexo das Putas em BH
Detalhes da arquitetura da casa onde deve funcionar o Museu do Sexo das Putas em BH - 08.08.2019 - Fernando Barbosa e Silva/Divulgação

Com o passado presente nas fotos e desenhos espalhados nas fachadas, a Guaicurus virou centro de discussão em julho, graças a um vídeo em frente ao casarão que deve virar o Museu do Sexo das Putas. 

“Acreditem se quiserem”, diz o autor, após filmar a placa onde aparece o nome do Fundo Municipal de Cultura e do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural. “É isso aí, o dinheiro dos contribuintes de Belo Horizonte”, conclui. 

O vídeo abriu disputa ideológica. Três deputados estaduais —Sargento Rodrigues (PTB), João Leite (PSDB) e Gustavo Santana (PL)— pediram que a Assembleia Legislativa encaminhe requerimentos sobre o caso ao presidente Jair Bolsonaro e à ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. 

O vereador Jair Di Gregório (PP), evangélico e autodenominado “vereador da família”, fez seu próprio vídeo no local. Ele afirma que “ninguém é intolerante”, mas que o museu seria uma aberração.

O imóvel em questão é o número 471, de estilo eclético, construído nos anos 1910. Segundo as histórias da rua, ali foi uma das primeiras casas de prostituição de BH. Zazá, 67, que chegou nos anos 1970 a Guaicurus, viu funcionar no lugar a Casa da Florinda. 

Parte do teto de prédio histórico
Detalhes da arquitetura da casa onde deve funcionar o Museu do Sexo das Putas em BH - Fernando Barbosa e Silva/Divulgação

Sem emprego e com filhas pequenas, Zazá conheceu uma mulher que a convidou para trabalhar como prostituta. Ela conta que ali aprendeu a ler e conseguiu dinheiro para criar os cinco filhos. 

Desapropriada por decreto em 2008, a casa é parte de um conjunto tombado. A proposta da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) para que o local se transforme em museu é de 2017. 

A cessão depende de assinatura, mas o Museu do Sexo das Putas já tem cadastro no Sistema de Museus de MG e no banco de dados do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). 

A proposta é que haja salas de exposições e cursos, biblioteca 24 horas e um espaço lembrando figuras célebres. As prostitutas dizem que querem orientar a forma de contar suas vidas, deixando de ser só objeto de pesquisa.

Tanto a prefeitura quanto a Aprosmig garantem não haver dinheiro público no projeto. As placas filmadas foram pagas pela própria associação, que espera levantar a verba para a reforma —cerca de R$ 1,6 milhão— com financiamento coletivo e eventos.

“A questão não é de recurso, é do preconceito, do estigma”, diz Cida Vieira, 52, presidente da associação. Os parlamentares, para ela, fizeram da discussão “palanque eleitoral”. “É um choque para a sociedade. Aquela área que estava esquecida, que não tem plano e nós, mulheres prostitutas, estamos revitalizando.”

Segundo a Aprosmig, cerca de 3.500 prostitutas trabalham hoje na região. Mari, 35, no sobe e desce desde 2013, tentou trabalhar como vendedora por um tempo. Ganhava entre R$ 600 e R$ 900 —valor que conseguia em poucos dias com programa.

“Se eu tivesse que sair agora, não ia poder pagar meu curso [de enfermagem]. Não ia entrar no meu orçamento de aluguel, escola, luz, bebê.”

Filha de Zazá, Patrícia, 48, passou a vida na Guaicurus. “O problema é que quando fala ‘museu do sexo’, as pessoas [focam] na palavra ‘sexo’. Não incentivamos a prostituição, só damos suporte a quem já está nela”, diz.

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