Entidades sem fins lucrativos responsáveis pelas creches conveniadas da Prefeitura de São Paulo são suspeitas de desviar verbas e terem "donos" que mantêm padrões de vida de magnata, apontam investigações da Polícia Civil.
A polícia realizou, na manhã desta quinta-feira (12), a operação Misantropia, com cumprimento de mandados de busca e apreensão em 16 endereços ligados aos suspeitos de chefiarem uma possível máfia das creches municipais. O grupo é suspeito de crimes como apropriação indébita, peculato, formação de quadrilha e ocultação de patrimônio.
Durante a operação, a polícia aprendeu muitos documentos, computadores, carros e até armas. Uma delas, com a numeração raspada, causou a prisão da mãe de um suspeito.
De acordo com o pedido feito à Justiça, autorizado pela juíza Tamara Priscila Tocci, "as investigações até então encendradas levam a fortes indícios de que há formação de uma organização criminosa, voltada a constituição de empresas de fachada para o fim de desviar e apropriar de verbas públicas, especialmente as destinadas ao custeio de creches conveniadas à PMSP [prefeitura] e pagamento dos respectivos encargos".
A peça narra ainda que as entidades "passaram não somente a desviar recursos públicos em espécie mas também prestam-se a desviar gêneros alimentícios enviados pela PMSP em detrimento aos cuidados das crianças".
Entre os locais que tiveram mandado de busca autorizado pela Justiça estão duas creches, a Cei Egídio Corsi, em Cidade Tiradentes, e a Cei Lucia Prestes, na Vila Zefira, ambas na zona leste.
A ação, realizada por policiais do 10º Distrito Policial (Penha), está focada em um grupo responsável por cerca de 20 creches da região leste.
A investigação também usou como base informações de reportagens da Folha, sobre ação política nas creches e possíveis brechas na distribuição de alimentos. Com novas fases previstas, o grupo chefiado pela delegada Ana Lucia Souza deve esmiuçar as irregularidades nas entidades terceirizadas de toda a cidade, responsáveis pela maioria das vagas de creche disponibilizadas pelo município —280 mil das 340 mil vagas para crianças de zero a três anos.
A operação começou após uma denúncia de desvios de valores de FGTS e INSS de funcionários e de falsificação de guias entregues à prefeitura. Os casos viraram diversos processos trabalhistas, em que a prefeitura pode acabar sendo responsabilizada e sofrendo prejuízo pelo rombo.
O acúmulo de processos com dívidas de centenas de milhares de reais chamou a atenção da escrivã do caso, Patrícia Marcomini, que passou a ouvir ex-funcionários das empresas que processaram as entidades e acabou encontrando indícios da ação de uma quadrilha suspeita de cometer vários outros crimes.
Em um dos casos, por exemplo, uma funcionária relatou desvio de alimentos de uma unidade. A comida era colocada em sacos pretos levados em um veículo, "fazendo assim a subtração desses alimentos destinados à creche".
O caso teria se dado em uma das seis creches administradas pela Associação Águas Marinhas, cujo presidente é Jean Gonçalves do Amaral. A mãe dele, Magali Gonçalves, teria dado a ordem para o desvio dos alimentos, disse a testemunha.
Em julho, a gestão Bruno Covas (PSDB) suspendeu o funcionamento de cinco creches administradas pela Águas Marinhas, por uma série de irregularidades. Na ocasião, algumas mães relataram comida racionada na unidade.
Magali também é dona de uma empresa de construção que teria sido usada para prestação de serviços nas unidades infantis, aponta a investigação. Ela é ex-sócia do suspeito de ser o grande articulador do grupo, Leonardo Moreira Corsi, na papelaria Amaral e Tolentino —o nome da empresa é o mesmo de uma das creches administradas pela Associação Águas Marinhas.
Ex-presidente de duas ONGs responsáveis por creches, a Associação Anjinho de Deus e a Mulheres da Cidade Tiradentes, Corsi vive em um luxuoso condomínio no Jardim Anália Franco (zona leste de SP), um dos endereços vasculhados.
A apuração policial também constatou que, direta ou indiretamente, ele seria proprietário de ao menos seis carros, entre eles um Porsche, uma Mercedes e uma BMW. Investigadores que acompanharam o dia a dia dele verificaram que o padrão de vida do suspeito é muito mais alto do que propiciaria a renda de alguém que atua em pequenas empresas e em ONGs.
Ele é sócio de empresas que são potenciais fornecedoras das creches —além da papelaria, um escritório de contabilidade e uma empresa de alimentos. Esta última foi criada em abril de 2018, quando já se falava dentro da prefeitura sobre a possibilidade de passar a enviar o dinheiro para que as entidades terceirizadas comprassem os alimentos, medida efetivada neste ano.
A polícia apura o envolvimento do pai e da mãe dele, Célio e Natalina Corsi, que também tiveram endereços residenciais e de empresas incluídos entre os vasculhados pela polícia.
A operação também visa apurar a ação de escritórios de contabilidade usados pelo grupo, suspeitos de serem usados na emissão das notas fiscais frias e na criação de um caixa paralelo.
A reportagem ligou para diversos telefones dos alvos da operação, mas não localizou os suspeitos na manhã desta quinta. A defesa dos suspeitos não foi localizada.
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