Processo de tombamento de igrejas do Largo São Francisco, em SP, dura 60 anos

Iphan recebeu pedido de tombamento de igrejas em 1959, mas ainda não concluiu análise

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São Paulo

Em janeiro de 1959, o fotógrafo Edgard Jacintho, conhecido pelos registros do patrimônio histórico, sugeriu que se tombasse uma igreja no Largo São Francisco, no centro de SP, a fim de preservá-la.

Sessenta anos depois, esse processo de tombamento, conduzido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ainda não foi concluído.

A demora foi parar na Justiça, envolveu Ministério Público Federal e finalmente deve ter um desfecho.

Em acordo celebrado no último mês, o Iphan concordou em concluir até o ano que vem o processo de tombamento das duas igrejas, a Igreja de São Francisco de Assis (que tem 372 anos) e a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco (de 231), cujos processos se arrastavam havia décadas. 

Os templos ficam um ao lado do outro no Largo São Francisco, juntos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e ajudam a compor a paisagem do centro histórico da cidade.

As igrejas não corriam risco de serem derrubadas, já que já eram tombadas pelo órgão de preservação estadual (Condephaat) e municipal (Conpresp). 

Mas, para o Ministério Público Federal, o atraso de 60 anos é “evidente e gravosa morosidade”, “injustificadamente extrapolando qualquer limite de razoabilidade na duração de um processo administrativo”.

O tombamento, na verdade, ficou praticamente parado de 1959 a 2012, quando, depois de mais de 50 anos, o Iphan encaminhou para instrução.

À Folha, o órgão federal do patrimônio disse que não poderia comentar a decisão judicial especificamente. 

Falando de modo geral, o diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, Andrey Rosenthal Schlee, elenca três fatores para que um processo de tombamento demore mais que seis décadas.

Primeiro, diz ele, o fato de o Iphan aceitar pedidos de tombamento que são nada mais do que listas de nomes. 

“Bastava dar o nome de um bem e o Iphan é que teria que identificar o conjunto de valores que deveriam justificar o tombamento e isso leva tempo”, afirma. 

“O Iphan sempre aceitou esse tipo de pedido, o que nos gerou um passivo de processos muito grande.”

Em segundo lugar, diz, há uma hierarquização de bens que correm risco de desaparecer se não forem tombados, o que não é o caso das igrejas do Largo São Francisco.

“São igrejas que estão em uso, que têm cultos, e que portanto não correm nenhum risco. O fato de um processo de tombamento estar aberto desde 1950 não significa que elas correm um risco de desaparecer. Muito pelo contrário, só demonstra que a população paulista tem esses bens em tão boa conta e referência que os mantém e os preserva.”

Por fim, Schlee afirma que há poucos funcionários para analisar todos os processos.

O diretor afirma que a média de permanência de um processo aberto no Iphan é de cinco anos hoje, e que hoje há cerca de 300 casos abertos.

Schlee ressalta que, segundo a Constituição, a atribuição de preservar o patrimônio é concorrente a estados, município e União, e que se o bem é tombado já por alguma instância o Iphan cumpre sua missão constitucional. 

“O que nós temos como obrigação é responder a um pedido e fechar o processo administrativo.”

Já há, no entanto, dois pareceres técnicos do Iphan que pedem os tombamentos, um de 2015 e outro deste ano.

Igrejas ajudam a contar história da cidade de SP

A Ordem de São Francisco é uma vertente católica cujos primeiros padres chegaram ao Brasil ainda no século 16.

O primeiro convento franciscano na cidade foi erguido onde hoje é a praça do Patriarca, em 1639. 

Três anos depois, a Câmara de São Paulo doou um terreno “com 80 braças [176 m] de largura, por 70 braças [154 m] de comprimento, num local aprazível, com três fontes, uma pedreira e, ao fundo, o rio Anhangabaú”, diz documento de 1981 que tombou a igreja no patrimônio estadual.

Lá foi inaugurada, em setembro de 1647, a atual sede do convento, ocupando todo o espaço onde hoje está a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A obra foi feita em taipa de pilão, espécie de barro comprimido usado à época, em estilo jesuítico.

Em 1676, começa-se a construir lá a capela da Ordem Terceira. Um século depois, em 1788, a capela se “emancipa” e vira uma igreja independente, a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco.

Também em taipa de pilão, sua fachada foi adornada por Tebas, arquiteto escravizado que também assina as fachadas de outras igrejas importantes da cidade, como a Catedral da Sé, a Igreja da Ordem Terceira do Carmo e o Mosteiro de São Bento.

As duas passaram por obras de restauro recentemente e estão em bom estado de conservação e abertas ao público.

O convento de São Francisco virou, em 1828, a Academia de Direito de São Paulo (depois incorporada pela USP). Em 1933, o edifício que foi demolido para construir o atual prédio do curso.

Outrora luxuosa, hoje a região é degradada e está no foco da prefeitura. Faz parte do chamado triângulo histórico, onde a gestão Bruno Covas (PSDB) quer reformar calçadas, melhorar iluminação e oferecer incentivos fiscais para donos de negócios na região.

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