Veja o que se sabe sobre o assassinato da menina Ágatha Félix

Criança morreu após levar um tiro dentro de uma kombi no Complexo do Alemão

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Rio de Janeiro

No dia 20 de setembro, a morte da menina Ágatha Vitória Sales Félix, 8, causou forte comoção pelo país e voltou a chamar a atenção para as vítimas da violência no Rio de Janeiro. Entenda o que aconteceu, o que as investigações concluíram dois meses depois e as perguntas que continuam sem resposta.

Como Ágatha foi morta? A menina voltava de um passeio com a mãe na noite do dia 20 de setembro, uma sexta-feira, no banco traseiro de uma kombi, quando levou um tiro nas costas. O motorista havia estacionado para que passageiros desembarcassem, em uma região conhecida como Fazendinha, no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio.

Havia tiroteio no local no momento em que Ágatha foi morta? A investigação concluiu que não, contrariando a versão inicial da Polícia Militar. No dia seguinte ao crime, a corporação havia afirmado que policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) baseados naquela esquina foram atacados por criminosos por diversas direções e reagiram, o que não se comprovou após as perícias e depoimentos.

O que aconteceu naquela noite? Segundo os investigadores, o motorista da kombi parou em uma esquina para que passageiros desembarcassem quando uma motocicleta com dois homens passou ao lado em alta velocidade. Um cabo da UPP disparou em direção a eles, mas o projétil se desviou: bateu em um poste, se fragmentou, desceu batendo na tampa do motor da kombi, subiu passando pelo banco traseiro do veículo e atingiu as costas da menina. Um outro policial também disparou, porém não atingiu ninguém portanto não foi responsabilizado.

Os homens que estavam na moto eram criminosos? Não há indícios disso. A Polícia Civil concluiu que eles não estavam armados e, portanto, não atiraram contra ninguém. Uma testemunha disse que o homem na garupa estava carregando uma esquadria de alumínio, que teria sido confundida com uma arma, mas os investigadores não conseguiram confirmar essa informação. A polícia e a OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), que tem acompanhado o caso junto à família de Ágatha, chegaram a procurar esses homens, mas não os encontraram. 

Quem é o policial que atirou? A corporação não divulgou o nome dele, diferentemente do que costuma fazer quando algum traficante, por exemplo, é descoberto ou preso. Questionado sobre o silêncio, o delegado Daniel Rosa, chefe da Delegacia de Homicídios do Rio, negou que haja corporativismo e se limitou a responder que o nome não será divulgado “porque não será divulgado”. 

O que deve acontecer com esse policial? Ele foi indiciado nesta segunda (18) por homicídio doloso (com intenção de matar), e o inquérito foi encaminhado ao Ministério Público estadual, que deve decidir se fará acusação contra ele ou não na Justiça. A Polícia Civil pediu que ele fosse retirado da UPP onde trabalhava e proibido de ter contato com testemunhas do caso que não sejam policiais militares. A PM disse que o cabo já está afastado das ruas e que continua apurando o caso internamente através de um Inquérito Policial Militar (IPM).

Policiais tentaram pegar o projétil que atingiu Ágatha no hospital em que ela foi socorrida? As investigações concluíram que não. Em outubro, a revista Veja publicou que, naquela noite, médicos e outros profissionais do Hospital Estadual Getúlio Vargas relataram ter sido pressionados por um grupo de policiais a entregar o fragmento de projétil retirado do corpo de Ágatha, o que eles recusaram. Segundo o delegado do caso, a filmagem do hospital mostra quatro ou cinco policiais acompanhando a ocorrência, e em depoimento um policial civil e uma pessoa da comunidade disseram que eles apenas ficaram perguntando e lamentando a morte.

A família teve acesso ao processo? A Polícia Civil diz que sim, mas o advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, afirma que não e que os pais de Ágatha só foram avisados da conclusão do inquérito e do indiciamento do policial através da imprensa.

Por que o caso reabriu discussões em torno do pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro? Porque o pacote de Moro prevê o abrandamento da punição a policiais e militares que cometam excessos no combate ao crime, como pode ter sido o caso de Ágatha. O texto, em discussão no Congresso, propõe que agentes que matam em serviço tenham sua pena reduzida à metade ou extinta se o ato ocorrer por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. É o chamado excludente de ilicitude. Em meio à comoção da morte da menina, deputados se mobilizaram para derrubar o trecho. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu “uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa" sobre a matéria, e Moro rebateu, defendendo seu projeto. 

Por que o caso também reacendeu um debate sobre a política de segurança pública no RJ? Porque aconteceu num contexto de aumento constante das mortes por policiais no estado, que vêm batendo recordes a cada mês. Apesar da redução dos homicídios, os óbitos por intervenção de agentes públicos subiram de 1.183, de janeiro a setembro de 2018, para 1.402 no mesmo período de 2019 —um aumento de 19%.Também ocorreu na esteira de declarações do governador Wilson Witzel (PSC) defendendo o "abate" de criminosos portando armas, independentemente de haver reação. Eleito com uma pauta de endurecimento na segurança pública, ele tem endossado as ações policiais que resultam em morte, mesmo antes da conclusão das investigações.

O que Witzel disse sobre a morte de Ágatha na ocasião? O governador, que só se manifestou três dias depois do ocorrido, lamentou profundamente a morte e afirmou que o caso não pode ser utilizado como "palanque eleitoral" ou com o objetivo de obstruir votações importantes como o pacote anticrime de Moro. Ele defendeu sua política de segurança e culpou os usuários e o tráfico de drogas, que, segundo ele, utiliza os moradores das comunidades como escudo. Witzel não comentou espontaneamente a possibilidade de um PM ter sido o responsável pela morte, mas, questionado pela imprensa, respondeu que "não tem bandido de estimação, seja de distintivo, seja de farda. A lei é para todos".

Ágatha foi a quinta criança morta por disparos desse tipo neste ano no Rio. Os casos anteriores foram esclarecidos? De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, nenhum dos casos foi esclarecido ainda. Os quatro outros mortos são Jenifer Cilene Gomes, 11, Kauan Peixoto, 12, Kauan Rosário, 11, e Kauê Ribeiro dos Santos, 12, segundo a ONG Rio de Paz.

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