Centro de umbanda vê intolerância em ação que o desqualifica como entidade religiosa

Tentativa de despejo de imóvel em São Paulo termina em acusação de preconceito

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Rio de Janeiro

Uma ação de despejo contra um centro de umbanda paulistano se transformou em uma batalha jurídica com acusação de intolerância religiosa.

É o que dizem sofrer os representantes do Instituto Céu Estrela Guia, processados pelas proprietárias de um galpão que a entidade aluga desde 2018.  

Em setembro, um juiz da 4ª  Vara Cível de São Paulo decidiu que o instituto não só poderia continuar no endereço como as donas do espaço deveriam pagar os custos do processo, inclusive o honorário dos advogados. Elas recorreram, e foi justamente a argumentação de sua advogada que gerou a acusação de preconceito com a fé umbandista.

No documento em que rebatem o recurso, os advogados do Instituto Céu dizem que a outra parte tentou desqualificar o credo como religião. 

"Isso sequer deveria ser discutido aqui, de tão absurda que é a mera ideia de sermos obrigados a defender a umbanda como religião (ou, honestamente, qualquer outra crença que fosse)", afirmam Daniel Acosta e Bárbara Silva. "Eis que qualquer aluno universitário no primeiro ano de direito sabe que a liberdade de crença e culto é constitucionalmente protegida."

Segundo a dupla, as proprietárias, por meio de texto assinado pela advogada Patrícia Torres, afirmam que uma entidade religiosa é um título que só deveria ser dado a "grandes templos ou igrejas".

"Honestamente, esses argumentos são dignos de pena e nem sequer vamos entrar nesse mérito, por vergonha alheia."

Era uma resposta ao recurso protocolado pela advogada Torres, que sustenta: a principal atividade do instituto consiste em ações sociais, "que podem ser exercidas em qualquer local". A petição também questiona por que o grupo não fez "sequer uma reforma" para adaptar a construção a essa finalidade, embora isso não seja uma exigência legal.    

É aí que entra o argumento que motivou a acusação de intolerância religiosa, já que Patrícia Torres cita "hospitais, escolas e entidades religiosas" como dignas de tratamento especial. Não haveria por que, dizem os advogados do centro umbandista, excluí-los como crença.  

A Lei das Locações restringe bastante situações em que o contrato de certos locatários pode ser rescindido, como unidades hospitalares e asilos. Inclui aí "entidades religiosas devidamente registradas" —o que o Instituto Céu não seria, na visão dos autores do processo.  

O espaço, aberto em 2015 no bairro da Saúde (zona sul de São Paulo) e transferido três anos depois para o galpão da discórdia, tem um estatuto com valor judicial. Nele é descrito como uma entidade sem fins lucrativos que visa "desenvolver atividades ligadas ao desenvolvimento do ser humano" por vários meios, sendo que o primeiro listado é o religioso.

Para os autores da ação, o termo "meios religiosos" foi enfiado entre vários outros, "não sendo o objetivo do estatuto".  

O juiz responsável pelo caso na primeira instância, Fábio Fresca, já questionara essa alegação apontando que os próprios autores informam, num documento inicial, "que Instituto Céu Estrela Guia é Centro Espiritualista de Umbanda" (o nome que usavam antes do registro em cartório; Céu, ou CEU, é a abreviação dele). Seria forçar a barra, portanto, que as donas do imóvel não sabiam que os locatários prestavam serviços religiosos. 

O presidente do grupo, o pai-de-santo Denisson de Angelis, rechaça a hipótese.  "Imagine...temos gira toda semana! Semana passada atendemos mais de 400 pessoas, tomando passe, fazendo descarrego. A própria alegação comparativa entre religiões demonstra um menosprezo pela umbanda", diz à Folha.

Ao perceber que "a causa já está perdida", afirmam os defensores do instituto, as autoras passaram a discutir a "validade da umbanda como religião, adotando um discurso de tom evidentemente intolerante e despeitoso". 

A reportagem procurou a advogada Patrícia Torres para perguntar se ela ou as proprietárias do imóvel gostariam de se manifestar. Ela não respondeu em seu celular. 

O escritório para o qual trabalha disse que a defensora está fora do país, mas que sua linha de pensamento está transposta nos documentos enviados à Justiça. 

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