Descrição de chapéu

Como explicar a morte de Ágatha para uma criança?

Os pais da menina a ensinaram estratégias de sobrevivência dentro de casa, proteção que, às vezes, é ultrapassada pelo tiro que rompe a parede

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Edu Carvalho

“Ela fala inglês, tem aula de balé, tem aula de tudo, era estudiosa. Ela não vivia na rua, não”, disse o avô.

Poderia ser eu, ao falar com orgulho idêntico de Luísa, "sobrinha-filha" que crio. Justificando o injustificável, desesperado e sem entender aquilo que não poderia dar conta, tentando fazer sentido quando na verdade, não tinha.

Era a forma encontrada, algo para tirá-la do pensamento marginalizado e inconsequente que provoca a interrupção de uma vida. Gritar como fez, a plenos pulmões, que ela não. Dessa forma não.

Mas como garantir a Luísa e a tantas outras crianças que elas não sejam e não se sintam como as próximas vítimas ao verem a brutal morte de Ágatha? Eu não sei. A gravidade do que posso falar desperta a destruição no mesmo instante dos sonhos da pequena menina da qual tenho a honra de ser “tio-pai”.

Segundo dados de um relatório da plataforma Fogo Cruzado, Ágatha Félix foi a quinta criança morta no estado do Rio de Janeiro neste ano. Outras 12 crianças foram baleadas.

Fui ensinado por minha mãe de que eu teria de me abaixar quando começassem as trocas de tiros, mas não foi ela quem me ensinou a reconhecer os sons de cada fuzil ou pistola. Isso aprendi instintivamente, por tristeza. 

Os pais de Ágatha a ensinaram a buscar estratégias de sobrevivência dentro da própria casa, proteção que, às vezes, é ultrapassada pelo tiro que rompe uma parede, acabando com a ideia de que o local mais seguro é o seu lar.

Veio à mente a primeira página do livro “O Genocídio do Negro Brasileiro”, de Abdias Nascimento, que por conta da faculdade, tenho a possibilidade de ler.

No papel, a explicação retirada do dicionário daquilo que sintetiza tudo: o significado da palavra genocídio. Só que não dá, é complexo demais. Seria a explicação da explicação, seria ainda mais confusão.

Eu me esforço para explicar a morte de Ágatha com cautela, por respeito aos sonhos de minha "sobrinha-filha". Optar pelo silêncio é o caminho para fugir de uma questão como essa? Talvez.

Fraco, assumo minhas fragilidades. E foi assim que me juntei aos meus no enterro da menina, há uma semana.

As imagens de algumas crianças com camisetas de escolas, o nome da menina brutalmente morta escrito nelas, todos abraçando rosas brancas nas mãos.

“O que a professora vai falar amanhã?”, questionava a mim mesmo e a todos que encontrava, na busca de coragem para ter o que dizer, caso houvesse algo.

Dentro de sala de aula, somos instigados a querer acreditar. Mas, às vezes, e em alguns lugares, o espaço para, é atravessado constantemente por tiros, granadas, helicópteros. E aí? Falamos o quê?

Na moral, não sei. Eu não estive na escola, não encontrei aquelas crianças no dia seguinte ao enterro, não conversei com seus pais. Só vi uma fala da professora de balé, consternada pela perda. Não via a menina há duas semanas, por conta de operações no Complexo do Alemão.

É triste olhar e ver que não existe, pelo menos para mim, a capacidade de responder para uma criança de oito anos, que deseja ser jornalista, ama a natureza e adora viver. Que como Ágatha, já vestiu a fantasia de Mulher-Maravilha, aquela que tudo pode mudar.

Parafraseando a amiga Ana Paula Lisboa, difícil deve ser explicar o amor. Fácil é ter que explicar para uma criança o porquê da outra ter sido assassinada.

Edu Carvalho é jornalista, ativista social, morador da Rocinha e pesquisador na TV Globo

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