Anadyr sonhava cursar engenharia, mas ele era mesmo um atleta. Fazia judô, levantava halteres, praticava tiro esportivo, esquiava, andava a cavalo, pescava. Foi ginasta e chegou a quase participar de uma Olimpíada.
Quando findava a aula no clube, ia assistir ao balé. Foi assim que conheceu a bailarina e pianista Carmen, com quem se casaria e teria três filhos. Elegante, pareciam artistas de cinema, e os dois foram eternos namorados, desses pegos aos beijos apaixonados.
Nascido em Santo Antônio da Posse, no interior paulista, Anadyr foi ainda criança morar na capital com a família, imigrante italiana, onde seu pai abriria uma bem-sucedida loja de material de construção, que ele assumiu após cursar direito —a pedido do patriarca—, se tornar tenente do Exército e bater ponto no consulado americano.
Em casa, não era machão, mas, “até bem liberal para a época”, conta a filha primogênita, também Carmen.
Seu pai, diz, fazia questão de dividir as tarefas domésticas, principalmente às quintas, a fim de adiantar a periódica noite do cinema. Já aos domingos era dia de reunir a família no almoço que ia dos brasileiríssimos tutu e feijoada ao italiano nhoque.
Espiritualizado, repetia “tudo é ilusão, o que é bom vai passar e o que é ruim também”. Estudava óvnis e era espírita, ao contrário da mulher, muito católica. Mas isso não era motivo de discussão. A casa era a própria nações unidas das religiões.
Dos ensinamentos, as filhas evocam um: quando quiser falar algo, pense se é verdadeiro, necessário e compassivo. Caso contrário, melhor não falar. “Então a gente fica muito quieta”, diz Carmen, aos risos.
Há 18 anos, o casal perdeu o filho, vítima de enfarte. A tristeza foi a derrocada da mulher, que morreu anos depois. Aí ele próprio se viu com Alzheimer e Parkinson. Foi o vigor físico que deu conta até os 88 anos.
Anadyr morreu dia 12 de novembro, por falência de múltiplos órgãos. Deixa duas filhas e cinco netos.
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