Descrição de chapéu Alalaô

Descentralização da festa leva a novos grupos nas periferias

Neste ano, todas as subprefeituras de São Paulo terão blocos no Carnaval

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Agência Mural
São Paulo

Situado no extremo norte de São Paulo, o bairro de Jova Rural quer entrar no mapa do Carnaval paulistano. Neste fim de semana, acontece lá o CarnaFest 20 Jova York, uma brincadeira com o nome da região e a cidade de Nova York.

O evento faz parte de uma mudança que movimenta boa parte das periferias da capital: o aumento de blocos nas bordas da cidade. A região pertence à subprefeitura do Jaçanã/Tremembé, na qual ao menos nove blocos caem na folia neste ano.

Até ano passado, os festejos de Carnaval aconteciam apenas dentro do espaço da Fábrica de Cultura Jaçanã e nas ruas próximas. Às vezes, a única alternativa era ir a blocos no bairro do Jaçanã —mas era preciso pegar um ônibus.

"A gente não tinha Carnaval de rua na região, agora vai ter a primeira festa no sábado, e outra no domingo. Vai começar a atrair o público que quase não sai de casa, do bairro, por achar o centro longe e perigoso", comenta o eletricista Cristiano Uchoa, 40.

Bloco do Jatobá comemora 10 anos de cortejo pelas ruas da Cohab II
Bloco do Jatobá comemora 10 anos de cortejo pelas ruas da Cohab II - Alair Junior

Ele é integrante do Pagode dos Amigos, iniciativa que começou na rua Antônio Sérgio de Matos, a Rua 13, onde se reúnem desde julho de 2015. O grupo faz vaquinhas para realizar eventos como festa do Dia das Crianças, aniversário de time de futebol e feijoada no dia de São Jorge. Agora chegou a hora do Carnaval.

Para a festa, contarão com o apoio do bloco Comunidade Guerreiros Jova Rural, criado pelo motorista Samuel Santos, 60, que juntou amigos e 15 ritmistas para fazer a festa. O bloco aborda no samba temas da vida na região.

"Rua de terra, muita lama, muito barro, assim foi nosso passado onde tudo começou. O senhor Arley Gilberto de Araújo fez dali o seu refúgio, o ilustre morador [...] Com o progresso todo mundo foi chegando. Veio o branquinho e a lotação. Hoje nossa Jova está bonita, está legal, e vai cair no Carnaval", diz o trecho citando o asfalto e a chegada de uma linha de ônibus 1702 -- Jova Rural/Metrô Tietê, conhecida como branquinho.

Apesar dos avanços, a região ainda vive problemas como os deslizamentos que ocorreram no vizinho Jardim Felicidade com as chuvas do dia 10.

Com um recorde de 678 blocos cadastrados pela prefeitura (alguns dos quais desistiriam), o Carnaval paulistano se espalha neste ano por todas as subprefeituras.

Embora surjam grupos novos, a marca mostra também a consolidação de alguns deles nas periferias.

Na zona sul de São Paulo, o Bloco do Beco, que se apresenta neste sábado (22), é considerado um dos mais tradicionais. Desde 2002, desfila nas ruas do Jardim Ibirapuera, no distrito do Jardim São Luís. A ideia surgiu de um bate papo entre um grupo de sambistas e moradores na rua Bento Barroso, que queriam preservar a cultura da festa na região.

O grupo virou associação cultural que atua com artesanato, teatro, literatura e saraus. "A gente não precisa sair da nossa quebrada para se divertir. Aqui eu experimento uma boa feijoada, tomo uma [cerveja] gelada e ainda ajudo a instituição de onde eu moro", comenta o auxiliar de escritório, Douglas Ferreira, 32.

O esquenta para o desfile costuma ser a tradicional feijoada, oferecida de forma gratuita. Para custear a atuação, o bloco conta com a arrecadação em festas e o apoio de comerciantes do bairro.

De acordo com a organização, são esperados 5.000 foliões no desfile.

No caso do Bloco do Jatobá, em Itaquera, na zona leste, a iniciativa dos foliões do distrito extrapolou a região. O grupo celebrou dez anos em 2020 e tem programação que se estende para outras periferias da cidade como Pirituba e São Mateus nas próximas semanas. Neste ano, também irão se apresentar na Vila Madalena no sábado (22).

"De dois anos para cá, a gente notou que os blocos de maneira geral estouraram. Então quem tinha um trabalho bem estruturado acabou surfando na onda, estão se dando bem, porque tem muito trabalho para se fazer", diz Alair Junior, 31, maestro e um dos fundadores do grupo.

Ele surgiu como brincadeira entre amigos. Lucas Carolino da Silva, 29, o Jatobá, é o personagem do bloco, homenageado por ter "característica um pouco atrapalhada e por ser um moleque muito bom".

No começo, desfilavam às quartas-feiras de noite tocando marchinhas tradicionais, quando o público não chegava a 20 pessoas. Com o passar do tempo, o bloco ganhou projeção e é acompanhado por uma média de 2.000 pessoas.

Hoje 15 pessoas cuidam do projeto e 60 músicos tocam as marchinhas. Eles usam personagens como Faraó, Buzz Lightyear, Teletubbies --todos sempre com o rosto de Jatobá. "O bloco não é para mim, é para o público. A estrela do bloco é o público", diz Lucas.

Para Alair, o Carnaval cumpre um papel em meio à desigualdade social e à ausência de equipamentos públicos de cultura e lazer. "É de suma importância a ocupação dos espaços públicos na periferia, não só no carnaval, mas durante todo o ano, em qualquer atividade."

Apesar do aumento recente dos blocos de rua da capital, sua presença nas periferias da cidade é antiga. Segundo pesquisas do CPDoc Guainás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica) de Guaianases, tradicionalmente as ruas da região foram ocupadas para celebrar o Carnaval.

De acordo com a socióloga e pesquisadora Renata Eleuterio, 34, entre as décadas de 1980 e 1990 a rua Salvador Gianetti era uma das vias em que havia desfiles de Carnaval e a organização das ruas para festas. Em Cidade Tiradentes, bairro vizinho, a avenida dos Metalúrgicos era o espaço usado pelos moradores.

"Na zona leste, as ruas sempre foram usadas como locais de celebração e memória. O Carnaval era o momento em que os trabalhadores demonstravam grande resistência frente a grandes adversidades do cotidiano", diz. "Historicamente, a rua é importante. Hoje, as pessoas tentam retomar esse carnaval, essa maneira de fazer acontecer."

O professor da rede pública e historiador Ireldo Alves, 38, afirma que no passado os trabalhadores contavam suas histórias nas ruas. Hoje, as pessoas sentem saudade desse movimento.

"É na rua que o Carnaval tem seu lugar. A retomada dos blocos remete à folia e brincadeiras sem o compromisso das avenidas e das regras, que institucionalizaram a festa." Aline Kátia, Everton Pires, Lucas Veloso e Rubens Rodrigues

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