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Indígenas de MS dependem de doações e aldeias registram escalada de mortes por Covid-19

Aldeias terena têm mais de 10 mortes em 15 dias; campanhas buscam materiais básicos de proteção

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Izabela Sanchez
Campo Grande

Sem estrutura básica de proteção contra o novo coronavírus, aldeias da região norte de Mato Grosso do Sul têm registrado escalada nas mortes por Covid-19. No estado com a segunda maior população indígena do país, mais de 80 mil pessoas dependem da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

Apenas na quinta-feira (30) dois índios terena morreram com a doença no hospital Aquidauana, a 135 km de Campo Grande, o que eleva o número de óbitos para dez em apenas 15 dias.

O primeiro caso da doença nas aldeias do estado foi confirmado no dia 13 de maio na Reserva de Dourados, região sul, em funcionária de um dos frigorífico da JBS. Além dela, outros 32 trabalhadores Guarani Kaiowá da JBS testaram positivo, segundo o médico do polo base, Zelik Trajber. Ele afirma que todos estão recuperados.

As aldeias de Aquidauana, que só registraram os primeiros casos em julho, têm três vezes mais mortes do que a região de Dourados, que confirmou três óbitos até agora, de acordo com o último boletim da saúde indígena.

Nas aldeias de Aquidauana, mais mortes ainda constam como suspeitas da doença. Na quinta-feira, a funerária contratada pelo polo base para transportar os corpos levou três mortos às áreas indígenas.

Mulheres seguram termômetro e equipamento para desinfecção de pneus de veículos
Mulheres terena na barreira sanitária de Taunay Ipegue, em Aquidauana (MS) - Eric Markay

O sucateamento da Sesai preocupa os poucos médicos, enfermeiros e agentes de saúde que adoecem com o estresse provocado pela sobrecarga. Até o dia 22, apenas um médico atendia as 15 aldeias do polo base de Aquidauana. Só diante do aumento das mortes a Sesai e prefeitura enviaram reforços. Nas aldeias, os relatos são de dependência de doações.

O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul processou a União em maio para conseguir recursos do Ministério da Saúde, pedido negado, até agora, em decisões da Justiça Federal. Na última semana, as defensorias estadual e da União oficiaram pedido de urgência para que a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras enviasse equipes e materiais para construir espaço de isolamento para índios terena da região norte.

“Quando é para salvar vidas tem que se consultar jurídico, corregedoria, mas quando é para receber o recurso vindo de Brasília, não. A Sesai não consegue entregar [materiais comprados]. O que chegou é uma toalhinha de papel para higiene. Máscara, nada, álcool, nada”, afirmou o membro da coordenação executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Lindomar Terena, 45, morador da aldeia Mãe Terra, no município de Miranda.

Ele diz que só há dois médicos no polo base da cidade. “Um está afastado porque está no grupo de risco, é de idade, e tem uma médica se desdobrando. Antes da pandemia, já havia demanda muito grande de recursos humanos, técnicos, agentes de saúde”, disse.

No dia 2 de julho, imagens circularam em grupos de WhatsApp mostrando o prefeito da cidade, Odilon Ribeiro (PSDB), o secretário estadual de governo, Eduardo Riedel, e o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Paulo Corrêa (PSDB), em evento com índios Terena de Aquidauana para lançar obra de pavimentação. O presidente da Assembleia testou positivo para a Covid-19 dias depois.

​Procurados pela reportagem por meio da assessoria de imprensa, apenas a Prefeitura de Aquidauana se manifestou, dizendo que o evento teve monitoramento de temperatura e distribuição gratuita de máscaras para quem precisasse. “Não há como afirmar que o evento causou ou contribuiu com a contaminação dentro das aldeias”, diz a nota. Nem todos os doentes de Covid-19, no entanto, manifestam febre.

MPF e defensorias emitiram recomendação no dia 6 para que o governo “se abstenha de realizar reuniões, inaugurações e atividades congêneres que ocasionem a aglomeração de pessoas em comunidades indígenas e tradicionais do Estado de Mato Grosso do Sul”.

Procurador da República em Dourados, Marco Antonio Delfino de Almeida disse acreditar que a falta de atuação da Sesai no estado é resultado direto da atual política do Ministério da Saúde.

“Não tem como dissociar a Sesai do governo federal. A Sesai é extremamente dependente do governo, diferentemente dos municípios. Me parece óbvio que toda e qualquer política que sofra esse problema de gestão, com ministro interino que sequer é médico, tem impacto. Esse impacto pode não ser diluído nos estados, mas ocorre de uma forma muito intensa na saúde indígena.”

Em nota, a a JBS disse que “faz auditorias periódicas para atestar a correta execução das ações previstas em seu protocolo e que também prevê o afastamento das pessoas do grupo de risco –aqueles com mais de 60 anos, gestantes, indígenas e os que tenham indicação clínica”. A empresa afirma que todos os trabalhadores indígenas foram afastados do trabalho presencial desde que o primeiro caso foi detectado.

A Sesai em Brasília declarou que “estão em pleno funcionamento todos os serviços de atenção básica de saúde à população indígena sob abrangência do DSEI Mato Grosso do Sul”. “Ao todo, 695 profissionais capacitados para atuar no combate à Covid-19 prestam assistência aos indígenas, além da disponibilização de 88 veículos."

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