Justiça Militar autoriza PM a apreender armas e objetos após mortes em decorrência de ação policial

Ministério Público recorre da decisão; entidade da Polícia Civil vê tentativa de dificultar investigações

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São Paulo

Em meio ao recorde de letalidade policial no estado, o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM-SP) decidiu permitir que oficiais da Polícia Militar apreendam armas e objetos em ocorrências com morte, inclusive em casos decorrentes de intervenção policial. Até agora, em uma cena de crime, cabia aos agentes apenas preservar o local até a chegada de um delegado.

A sentença do juiz militar Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria Militar, assinada em 8 de julho, acata pedido de habeas corpus coletivo da associação de oficiais Defenda PM, que tem no rol de funções advogar para agentes envolvidos em mortes durante operações.

O magistrado considerou inconstitucional ato do governo de São Paulo, de 2015, que padroniza a atuação das corporações visando a evitar abusos e controlar a letalidade.

A Resolução 40 da Secretaria de Segurança Pública (SSP) estabelece que, em caso de homicídio tanto de agentes quanto de civis durante uma ocorrência, os policiais devem preservar o local do crime até a chegada do delegado e “providenciar para que não se alterem o estado e a conservação das coisas para a realização de perícia”.

O fato também deve ser comunicado imediatamente aos comandantes de área, à Corregedoria e ao Ministério Público. O policial que não obedece a tal determinação pode responder por crime funcional, usurpação da função pública, abuso de autoridade ou fraude processual.

Em junho, o subcomandante-geral da PM, coronel Marcus Vinícius Valério, determinou em despacho que os oficiais da PMs obedecessem à norma da SSP.

O estado, sob gestão de João Doria (PSDB), vem batendo recordes de letalidade policial, e multiplicam-se as denúncias de abusos. O número de mortes causadas por agentes teve a quarta alta neste ano e chegou a 442 casos. Abril foi o mês mais letal desde o início da série histórica, em 2001, com 116 casos. As ocorrências envolvendo policiais superam os registros de homicídios dolosos da capital paulista em 2020.

O juiz Roth avaliou que, aplicada a inquéritos militares, a Resolução 40 seria “inconstitucional” e “abusiva” e colocaria os PMs sob “constrangimento ilegal”.

O magistrado argumenta na decisão que o Código de Processo Penal Militar prevê apreensão de “instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato”, e, portanto, não seria possível cumprir a legislação militar, o despacho e a norma da SSP ao mesmo tempo.

Roth cita o parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Ele considera que a PM deve apurar os crimes de homicídio doloso contra civil, quando praticado por agentes da corporação. Hoje, Polícia Civil é responsável por instaurar inquérito e cabe à Corregedoria apurar infrações disciplinares ou crimes militares.

Pela legislação brasileira, os crimes praticados contra a vida devem ser julgados pela Justiça comum, mesmo se o autor for militar. A única exceção é para membros das Forças Armadas que se envolvam em ocorrência com morte durante ações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

Ainda assim, Roth afirma na decisão que, “à luz da Constituição Federal”, a Polícia Civil “não pode apurar crime militar, como ocorre com os casos de homicídio doloso contra civil quando praticado por policial militar”.

A sentença provocou reação de entidade da Polícia Civil, que vê tentativa de dificultar investigação de casos. O Ministério Público de São Paulo também recorreu da decisão.

Na sexta-feira (10), a Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp) entrou com três ações contra a sentença pedindo a revogação do habeas corpus e questionando a competência técnica de um juiz de primeiro grau para decidir sobre o tema. Os pedidos ainda não foram julgados.​

Para o presidente da entidade, o delegado Gustavo Mesquita, a atribuição de colher provas é da Polícia Civil para que os crimes "não sejam praticados e investigados pelos próprios pares, garantindo isenção e imparcialidade".

Com a decisão, "quando o delegado chegar, os objetos já terão sido recolhidos pelos PMs. As investigações serão obstaculizadas. Estão subvertendo a lógica justamente no momento em que a gente assiste à escalada de mortes em decorrência de ação policial", diz Mesquita.

Já para o coronel Elias Miler, da Defenda PM, "a Justiça militar não autorizou a apreensão de armas e nem descaracterizar local de crime. Ela mandou cumprir a lei federal, do Código de Processo Penal Militar, que manda o oficial ir ao local e acionar a perícia e somente depois de liberado pela perícia ele pode apreender os objetos".

Segundo Miler, há uma perseguição ideológica aos militares e corporativismo por parte dos delegados. "[A Polícia Civil] não esclarece nem 5% dos homicídios e quer apurar o do PM, que é de autoria conhecida", disse.

O Ministério Público afirma que não concorda com a sentença e que entrou com recurso contra a decisão. “O juiz militar não tem competência para se insurgir contra uma resolução do Secretário de Segurança Pública e sobre matéria relativa às funções da Polícia Civil", disse, em nota. A promotoria considera ainda que a resolução 40 da SSP é “constitucional”.

Já a SSP afirmou em nota que “avalia a adoção das medidas jurídicas cabíveis em relação à decisão”.

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