De perfil técnico, delegada do caso Beto Freitas diz não sentir pressão em investigar Carrefour

Roberta Bertoldo é formada em direito e comanda uma equipe de 11 agentes, a maioria homens

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Porto Alegre

A investigação sobre o homicídio de Beto Freitas, 40, espancado até a morte no Carrefour, em Porto Alegre é liderada pela delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Porto Alegre.

Há 20 anos na Polícia Civil, ela é considerada uma profissional de perfil técnico e discreto. Portanto, nunca fala abertamente sobre suas preferências políticas.

Bertoldo lidera uma equipe formada por 11 agentes, entre escrivães e inspetores. A maioria deles é formada por homens —nove, no total; além de duas mulheres.

Quem entra no Departamento de Homicídios, no Palácio da Polícia Civil, no cruzamento das avenidas João Pessoa e Ipiranga, se depara com o vai e vem dos agentes portando seus distintivos dourados, indo ou voltando de cumprimentos de mandados de busca e apreensão, coletando provas e depoimentos.

“É tranquilo. São todos parceiros. Todo mundo sabe que a decisão final é minha, mas são discussões conjuntas, com diálogo”, diz Bertoldo sobre comandar uma equipe majoritariamente masculina.

Delegada Roberta Bertoldo, da 2ª delegacia de Homicídios de Porto Alegre
Delegada Roberta Bertoldo, da 2ª delegacia de Homicídios de Porto Alegre - Divulgação

A equipe é composta apenas por pessoas brancas. “Como em qualquer profissão, infelizmente, ainda se vê mais brancos. Essa é a realidade desta delegacia, mas outras possuem profissionais negros”, diz a delegada.

Bertoldo ressalta que, por sua área de abrangência, a delegacia costuma trabalhar em casos que envolvem minorias, como população LGBTI e pessoas em situação de rua. “É uma equipe muito sensível a essas questões sociais. É corriqueiro que os agentes sejam elogiados pelo trato respeitoso com as pessoas, sempre tratando todos com dignidade”, destaca.

Investigando homicídios, a equipe é habituada a cumprir mandados de busca e apreensão em casa de suspeitos de assassinatos. “Se mantém o respeito com todos, inclusive com os suspeitos”, relata.

Em um caso como o da morte de Beto Freitas, um homem negro agredido por brancos, a discussão do racismo estrutural veio à tona em todo o país. A delegada investiga se houve crime de racismo ou injúria racial no caso de Beto, mas ainda não há evidências desse tipo de crime, que agravaria o crime de homicídio doloso triplamente qualificado. Isso não exclui, ressalta ela, o racismo estrutural presente na sociedade.

Além do debate em torno do racismo estrutural, a delegada diz que não se sente pressionada pelo envolvimento de uma rede multinacional de supermercados no caso de Beto Freitas, o Carrefour. “Se fosse num mercado pequeno, teria valor idêntico", diz.

Na coletiva de imprensa, onde foi a anunciada a prisão da fiscal do Carrefour Adriana Alves Dutra, Bertoldo foi elogiada pela delegada-chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor, 44. Ela é a primeira mulher a chefiar a corporação gaúcha em 179 anos de história e também diz ser feminista. Anflor elogiou a delegada por investigar “com rapidez e dentro da lei”.

Natural de Palmeira das Missões, cidade de 33.131 habitantes no noroeste gaúcho, a 312 km de Porto Alegre, Bertoldo já atuou como delegada nas cidades de Farroupilha, Caxias do Sul e São Leopoldo. Mas sempre quando pode retorna à sua terra natal para visitar os pais, que ainda vivem por lá.

Formada em Direito há 22 anos pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), ingressou na Polícia Civil em 2000. Um ano depois, começou a carreira como escrivã, função que ocupou até 2008, quando se tornou delegada.

Atuou na delegacia de Crimes Ambientais, onde fiscalizava principalmente empresas que desobedeciam a legislação da área. “Já tinha bastante consciência ambiental, mas ali percebi o impacto negativo. Uma empresa pode causar degradação ambiental em função do lucro”, conta.

Em 2015, passou a atuar na delegacia de Crimes Informáticos. A experiência, conta Bertoldo, a tornou precavida com a exposição de dados pessoais na internet. “Não tenho Facebook, não tenho LinkedIn. O que eu tenho é um Instagram, com perfil fechado, onde publico pouca coisa”, diz.

Ela mostra à reportagem o que posta no Instagram. A maioria das imagens é relativa ao trabalho, com fotos da sua equipe e homenagem a seu grupo de trabalho. Ela é reservada em informações sobre a família, por questões de segurança.

Bertoldo também foi delegada plantonista, em um regime de trabalho com 24 horas a postos e as 72h seguintes de folga. Mas foi em novembro de 2016 que, nas suas palavras, “realizou seu sonho” de trabalhar no Departamento de Homicídios.

“Esta é a minha maior satisfação profissional. Um homicídio é o crime mais grave. Um homicídio é contra a ordem natural da vida. Nos empenhamos em todos os casos, consumados ou tentados, para esclarecê-los e dar respostas às famílias”, diz.

Sobre o caso de Beta Freitas, a delegada afirma que “nada justifica” a violência praticada contra ele. “Muito se fala sobre a vida pregressa da vítima, sobre ter causado algum embaraço anterior no supermercado. Apuramos tudo para entregar o inquérito mais completo possível à Justiça. Mas nada muda o teor da violência. A reação foi desproporcional”, diz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.