Justiça argentina manda libertar brasileira acusada de sequestrar os próprios filhos

Apesar de decisão do STF em seu favor, Hilana Lannes foi presa na Alemanha em 2018 pois constava na lista de procurados da Interpol

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Brasília

A Justiça da Argentina retirou nesta sexta-feira (6) o pedido de prisão e de extradição contra a brasileira que se encontra detida há mais de dois anos acusada do sequestro dos próprios filhos.

Hilana de Moraes Lannes se encontra em prisão domiciliar em Frankfurt, na Alemanha, desde junho de 2018. A brasileira viajou ao país europeu para uma conferência sem saber que havia alerta da Interpol pela sua detenção.

A falta de preocupação com uma possível prisão se dava pela certeza de que uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em seu favor tinha encerrado o caso, que já durava na época 16 anos.

Dan Esteve Lannes, 21, ao lado do computador que mostra a foto da mãe, Hilana - Zo Guimarães/Folhapress

O caso foi revelado pela Folha, em setembro.

Após a publicação da reportagem, houve audiências com promotores e com o juiz argentinos, que ouviram a brasileira pela primeira vez desde o início do imbróglio, em 2002. A audiência foi virtual.

Os filhos de Hilanna - atualmente com 21 e 18 anos - também foram ouvidos posteriormente.

“Em face de situação tão excepcional de pandemia da Covid-19 que impera no mundo e a consequente impossibilidade colocada para o traslado da imputada Hilana de Moraes Lannes à Argentina, após a autorização de sua extradição pelas autoridades alemãs, a mesma [audiência] foi celebrada por meio eletrônicos, com acordo favorável para as partes ante minha presença”, afirma em sua decisão o juiz Diego Martínez, do juizado de Garantia da província de San Isidro.

“Não apenas foi possível com esta forma excepcional levar a cabo o ato de defesa por excelência, em que pude tomar conhecimento da indiciada e escutar o que teve a expressar como também entendo que tenha se sujeitado ao processo e finalmente isso possibilitou ao sr. fiscal [promotor] efetuar medidas probatórias que o levaram a peticionar não apenas sobre o levantamento da ordem de prisão como também a ausência de interesse que ela compareça em sua presença. Solicitou deixar sem efeito a extradição”, completou o magistrado.

Em sua decisão, o juiz determina que sejam notificadas a Interpol e demais organizações internacionais envolvidas, além das autoridades alemãs, para que percam efeito os pedidos de extradição feitos pela Argentina.

“Estamos muito satisfeitos que a justiça argentina finalmente se deu conta dessa situação. Isso só aconteceu depois que ouviram a Hilana e, principalmente, os filhos. O depoimento deles, como foi registrado lá, foi decisivo”, afirmou o advogado Maurício Dieter, que assumiu recentemente o caso da brasileira.

“Nós estamos envolvidos agora no processo de fazer a informação chegar às autoridades alemãs para que elas logo tomem ciência e viabilizem a devolução do passaporte e o retorno dela”, completa.

O caso que resultou na prisão da brasileira teve início em dezembro de 2002, quando Hilana e seu então marido, o argentino Alejandro Daniel Esteve, viajaram ao Rio de Janeiro com os dois filhos, então com três anos e cinco meses, respectivamente.

Hilana afirma que o casal havia decidido deixar a província de San Isidro para se estabelecer em definitivo no Brasil. Esteve, por sua vez, defende que a família apenas veio passar férias em território brasileiro.

Após desavenças, Esteve retornou para a Argentina. Hilana o acusa de agressão física, o que ele negou em todas as instâncias processuais.

“Logo após ter sido surpreendido com a informação que sua ex-mulher não retornaria mais com as crianças para a Argentina, o sr. Alejandro Daniel Esteve adotou providências junto à Autoridade Central Argentina em conformidade com a Convenção de Haia, de 1980, além de outras medidas judiciais perante o Poder Judiciário argentino”, informou nota dos advogados Fabiana Quaini e Marco Aurélio Gerace, encaminhada à Folha em setembro.

A convenção mencionada aborda casos de sequestro internacional de crianças.

O caso avançou na Argentina, com o juiz de San Isidro determinando a restituição das crianças e, mais tarde, em 2009, a prisão de Hilana. Seguiram-se o alerta da Interpol e o pedido de extradição, em 2018.

Em paralelo, tramitou no Brasil processo para decidir a guarda das crianças. Como o Brasil não extradita seus nacionais, a Argentina também solicitou que o caso de sequestro e retenção ilegal fosse analisado pela Justiça brasileira.

Hilana obteve seguidas vitórias nos processos, nos quais a União representou a Argentina —como determinam acordos internacionais—, tendo Esteve como assistente de acusação. Em 2017, o ministro Edson Fachin, do STF, decidiu que não houve crime e manteve a guarda dos filhos com Hilana.

Uma das hipóteses levantadas pela nova equipe de defesa da brasileira para o pedido de extradição argentino é que a decisão do STF nunca teria sido comunicada à justiça argentina.

Por isso, a equipe de advogados de defesa da brasileira obteve uma certidão da decisão proferida pelo STF, traduziram-na e a protocolaram no Ministério da Justiça - responsável por comunicar países estrangeiros de decisões judiciais brasileiras. A Argentina, dessa vez, apontou recebimento.

Ao longo dos últimos 18 anos, os filhos mantiveram contato com o pai por meio de redes sociais. Apenas se encontraram nas duas únicas vezes em que Esteve veio ao Brasil.

“Fiquei um pouco irritado com ele [por não retirar a acusação], mas deixei de lado. Mas quando a minha mãe foi presa, decidi que iria cortar totalmente a relação”, disse à Folha em setembro o estudante Dan Lannes Esteve, hoje com 21 anos.

“Meu pai segue o processo apenas por vingança", completou.

A reportagem da Folha procurou a defesa no Brasil de Alejandro Daniel Esteve, mas o advogado que o representa informou que não iria se pronunciar.

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