Descrição de chapéu Solidariedade

Com negócios abalados pela Covid, chefs distribuem comida para aliviar fome

Casas como o Mocotó, na zona norte de São Paulo, transformam-se em pontos de preparo de refeições e distribuição de cestas básicas

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São Paulo

Com a pandemia, o almoço começou a sair mais cedo no Mocotó, restaurante de comida nordestina da zona norte de São Paulo. Às 11h, pratos como moqueca com couve e abóbora cabotiá são entregues a cem pessoas que se enfileiram ali diariamente à espera das quentinhas.


Os organizadores da ação, o casal Rodrigo Oliveira, 40, e Adriana Salay, 36, estão entre os donos de restaurantes e bufês em São Paulo que, mesmo com negócios em crise, criaram iniciativas voltadas para quem tem a fome —cerca de 19 milhões de pessoas segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).

No caso do Mocotó, o projeto Quebrada Alimentada começou em março do ano passado e entregou, até agora, cerca de 80 mil refeições. Logo no começo da pandemia, Rodrigo e Adriana procuraram a associação do bairro da Vila Medeiros, onde fica o restaurante, para localizar quem precisava de refeições e indicar o estabelecimento como ponto de alimentação.

“Um dia, uma pessoa que estava na fila postou uma foto e, quando vimos, tinha 15 mil compartilhamentos. Tivemos medo de não dar conta se a demanda aumentasse”, diz Adriana, que também é pesquisadora da fome no Brasil.

Depois disso, a procura por quentinhas cresceu, mas a ajuda também. Com o fechamento de restaurantes nos primeiros meses da fase vermelha, outros chefs e marcas de gastronomia passaram a enviar doações de alimentos e ingredientes ao Mocotó.

O restaurante também mobilizou doadores para obter cestas básicas. No último mês, 370 famílias foram atendidas. Hoje, as cem marmitas entregues por dia são viabilizadas com a ajuda de uma vaquinha digital, e as cestas têm o apoio de parceiros.

Parceria é o que viabiliza o Movimento Água no Feijão, com voluntários mobilizados por Telma Shiraishi, 51, chef do restaurante Aizomê, situado perto da avenida Paulista, em São Paulo. A chef começou entregando 20 marmitas na chegada da pandemia. Ao fim do ano, o número chegou a cem mil.

Enquanto implementava o delivery para sobreviver, Telma começou a levantar fundos com colegas, empresas e organizações para produzir mais quentinhas. “Na hora de entregar a comida, você encontra sempre as mesmas pessoas. Vê famílias inteiras esperando. Depois disso, não tem mais como virar o rosto”, diz Telma.

Com as doações e ajuda de voluntários em diversas frentes, o Aizomê da Japan House —um restaurante moderno e envidraçado no centro cultural do Japão— transformou-se em uma cozinha humanitária até setembro do ano passado, quando teve de reabrir.

Neste ano, a chef decidiu manter o foco do Água no Feijão na captação de recursos e alimentos para apoiar outras instituições.“Percebemos que a nossa força é na mobilização”, diz. Entre outros projetos apoiados estão instituições que cuidam de idosos e deficientes, também impactados com a Covid-19.

Donos do Mais Sabor, restaurante familiar que funciona há 13 anos em Santa Cecília, no centro de São Paulo, Eduardo Adaniya, 47, e seu sócio e tio João Shiroma, 71, começaram entregando 600 marmitas, que se transformaram em 2.300 desde março deste ano.

Quando fechou as portas com o endurecimento das medidas de combate à Covid, o negócio de Eduardo já estava sem fôlego. Ele, então, decidiu seguir a ideia de um amigo: organizou uma campanha para produzir marmitas para doação, revertendo uma parte para do valor (R$ 15) pagar seus funcionários. Foi o que ajudou o Mais Sabor, que existe há 13 anos, a sobreviver, ainda que com sete demissões.

Todos os dias, eles saem para oferecer a comida no centro, mas Eduardo diz que as doações vêm diminuindo. Hoje, conseguem entregar de 15 a 30 unidades por dia, menos da metade do que no começo. “Tem bastante gente, e uma hora a comida acaba. É duro não conseguir ajudar todo mundo, ficamos frustrados.”

Os números da fome se agravaram com a pandemia, mas fazem parte de uma tendência de piora dos últimos anos —que reverteu melhorias observadas até 2014, quando o Brasil havia, inclusive, deixado o Mapa da Fome da ONU, afirma José Raimundo Ribeiro, doutor em geografia e pesquisador da fome em São Paulo.


Para Ribeiro, parte da explicação vem do enfraquecimento de um conjunto de políticas públicas, tanto sociais quanto voltadas à alimentação. Entre elas, por exemplo, está a dissolução do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), uma das primeiras medidas de Bolsonaro.O órgão articulava setores do governo e da sociedade civil e poderia ter atuado como interlocutor para formular uma política de emergência na pandemia, diz Ribeiro.

À frente da rede de voluntários Mesa Solidária, o chef VikoTangoda, 56, dono do bufê Viko Gastronomia, conta que observou uma mudança no perfil de quem buscava ajuda para se alimentar, em especial no centro de São Paulo.

“Comecei a ver famílias e também muitos imigrantes, além de senhores e senhoras. São pessoas que não ficariam numa fila se não tivessem extrema necessidade, mas que neste momento não têm dinheiro para se alimentar”, diz.

Desde a chegada da Covid, ele não deixou de acompanhar ações nas ruas, mas o Mesa Solidária concentrou suas ações na arrecadação e produção de comida dentro do próprio bufê, na Chácara Inglesa, em São Paulo —que, depois, é enviada a parceiros como uma comunidade em Paraisópolis.

“Transformamos tudo o que a gente recebe. Tivemos uma doação de alface e não dava para colocar na comida quente, ia murchar. Fiz um refogado e ficou ótimo! O que a pessoa oferece eu digo: manda pra cá que a gente encontra uma forma de fazer chegar a quem precisa”, diz.

Como doar

Quebrada Alimentada
vaka.me/1026885

Água no Feijão
aguanofeijao.org.br

Restaurante Mais Sabor
tel. (11) 97146-6590

Mesa Solidária
mesasolidaria.org.br/faca-sua-doacao

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