Descrição de chapéu Rio de Janeiro machismo

Pauta progressista e valores tradicionais dividem colégio católico no Rio

Organização de alunas em grupos feministas incomodou alguns pais, que reagiram

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Rio de Janeiro

O Colégio Santo Inácio, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, vive há mais de uma semana um conflito entre os pais de alunos da instituição.

Começou com um formulário, originado num grupo de WhatsApp, com uma enquete, dirigida a pais, que questionava se o feminismo está de acordo com o catolicismo e se há tentativas de promover uma doutrinação política de esquerda na escola.

O formulário indagava ainda se seria aceitável a atuação de coletivos feministas na instituição e o que os pais fariam se a escola passasse a apoiar pautas progressistas.

Prédio do colégio, rosado e com colunas, contorna um pátio quadrado, com o gramado dividido por caminhos de pedra que formam uma cruz, no centro da qual há um sino
Pátio do Colégio Santo Inácio, onde grupo de pais se mobilizou contra feminismo - Redes Sociais

O colégio, de orientação jesuíta, funciona desde 1903 em Botafogo, na zona sul da cidade, mas só em 1971 deixou de ser exclusivamente para meninos. Hoje conta com cerca de 4.000 estudantes.

A organização de grupos feministas na instituição ganhou visibilidade no ano passado, após a divulgação de relatos de assédio sexual que alunas teriam sofrido por parte de professores.

Pais contrários ao questionário reagiram, lançando no domingo (22) um abaixo-assinado, demonstrando indignação com o que consideram uma ameaça à democracia e à liberdade de expressão. Até sexta (27), a convocatória já contava com mais de 800 assinaturas. O objetivo é chegar a mil nomes.

A mobilização dos pais foi divulgada pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, e confirmada pela Folha. ​

A mensagem que convocou os pais para o questionário sobre valores dizia que o objetivo da iniciativa era fortalecer a voz do grupo e levantar dados. A ideia era que o documento fosse respondido até a segunda (23) para, depois, ser apresentado à direção da escola. A Folha pediu um posicionamento do grupo, mas não obteve resposta.

“Se depender de mim e de um mar de pais que compartilham do mesmo espírito, o colégio se manterá tradicional. Favoráveis a melhorias, não transformações. O CSI teve sempre seu sucesso vinculado às tradições e valores cristãos. Nenhuma pauta que estiver fora desses valores serão permitidos num colégio católico (sic)", diz o texto de introdução ao questionário, que já foi retirado do ar.

O coletivo feminista Medusa, formado por alunas da escola, disse em nota que os objetivos do grupo não foram compreendidos. “Os nossos interesses nunca foram gerar uma polarização ou desviar dos valores cristãos, e sim dar voz e um espaço seguro às mulheres e meninas da instituição, que, apesar de comporem uma parte tão essencial do corpo escolar, sofriam silenciamentos recorrentes.” ​

Pais de alunos afirmam que nenhuma pauta em desacordo com valores católicos será aceita no colégio. (credito: Reprodução ) - Reprodução

O grupo de pais que se levantaram contra o formulário viu nele uma tentativa de influência política na proposta pedagógica e educacional da escola.

"O colégio deve ter autonomia nas decisões tomadas sobre questões pedagógicas e caso o colégio tenha interesse em conhecer o que realmente pensam os pais dos seus alunos, deve buscar organizações que trabalhem com esse tipo de levantamento de forma isenta, abordando 100% ou aleatoriamente essa comunidade", diz o texto do abaixo-assinado.

Uma das idealizadoras do abaixo-assinado, Adriana Fendt diz que o documento surgiu para dar voz aos que não se sentiram representados pelo questionário.

“A escola deveria ser um lugar com uma única preocupação: formar melhores cidadãos. E vai ter pessoas de extrema esquerda e de extrema direita. As pessoas têm que ter liberdade para fazer suas escolhas”, diz Fendt, mãe de dois estudantes do colégio.

A engenheira química diz ainda que a orientação pedagógica da escola é de conhecimento público. “Quem não está feliz não precisa compactuar. É como a opinião de um médico. Caso eu tenha dúvida se o médico está dando a melhor opinião, consulto outro. O que não dá é para tudo virar briga e polarização. Com isso, a gente perde como sociedade.”

Signatário do abaixo-assinado e pai de um aluno da instituição, o ator Hélio de La Peña considera grave que o formulário que originou a celeuma tenha sido divulgado como se representasse a opinião de todos os pais, e não de uma parte deles.

O ator afirma também que o questionário tenta coibir discussões relevantes, como a descriminalização do aborto e o combate ao machismo. “Temos que apontar para uma sociedade mais inclusiva, mais acolhedora a todas as pessoas, independentemente de suas orientações sexuais ou de gênero."

Na quarta-feira (25), houve uma reunião entre a direção da escola e os pais que fizeram o questionário. O encontro já estaria marcado antes da repercussão ​gerada pelo documento. O Santo Inácio afirma que é de praxe a direção receber regularmente diferentes grupos de pais e de alunos. ​

Em nota, o colégio afirmou que movimentos surgidos entre famílias são responsabilidade dos grupos e "não fazem parte da estrutura organizacional do colégio". “Com todos, a direção e os educadores buscam uma convivência baseada no diálogo saudável e no respeito."

Na opinião do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), cujos filhos estudam na instituição, o questionário representa uma iniciativa legítima. “Evidentemente, sou defensor de uma escola sem partido e sem viés ideológico, nem de um lado, nem de outro. Eu não fui o protagonista, mas defendo esse tipo de discussão que nasce no âmbito interno da escola.”

Amorim se tornou conhecido em 2018, quando, ainda candidato, quebrou uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada ao lado do motorista Anderson Gomes em março daquele ano.

O deputado participa do grupo de WhatsApp em que o questionário teve origem, mas diz não ter participado da elaboração do documento. “Não fui signatário de nenhuma mensagem e nem sequer repassei esse questionário. Só que mais uma vez digo: acho importante essa discussão na escola em um momento de tanta interferência política na educação.”

Em abril do ano passado, o Supremo vetou por unanimidade uma lei do município de Novo Gama (GO) que proibia discussões sobre questões de gênero nas escolas, pauta cara ao movimento Escola sem Partido e ao presidente Bolsonaro. Na decisão, a corte considerou que a medida violava princípios constitucionais.

Em junho deste ano, o Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizou uma ação civil pública contra o Colégio Santo Inácio, alegando omissão frente às denúncias de assédio na instituição.

“Houve falta de observância do fluxo de encaminhamento de violação de direitos, uma vez que, em razão dos casos de assédio relatados, não houve acolhimento, providências e a observância do colégio como porta de entrada do sistema de garantias de direitos”, afirma o Ministério Público, que pediu à Justiça o afastamento da diretora acadêmica e do coordenador do ensino médio da instituição.

O Colégio Santo Inácio disse por meio de nota que implementou um código de ética e um setor de compliance após as denúncias de assédio. Além disso, a instituição diz que lançou uma política de proteção às crianças e adolescentes e ampliou a formação continuada de colaboradores, alunos e famílias.

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