Inspirado por música de Criolo, comediante retrata vida no maior distrito de SP

Cássio Moys usa humor para contar nas redes sociais como é o dia a dia do Grajaú

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Isabela Alves
São Paulo | Agência Mural

“Por que o Grajaú é longe de tudo? Ontem eu peguei trânsito na Belmira às 2h da manhã. Como? Pra que o povo daqui mente falando que mora em Interlagos? O Circo Escola é uma escola de circo ou é uma escola normal dentro de um circo? Será que o Criolo mora aqui ainda?”.

Foi fazendo essas perguntas e com piadas focadas na região onde mora que Cássio Moisés da Silva, ou simplesmente Cássio Moys, tornou- se o menino dos memes do Grajaú, o distrito mais populoso de São Paulo, com cerca de 400 mil moradores, na zona sul da capital.

Homem jovem com jaqueta jeans, camiseta preta e óculos escuros está apoiado em corrimão
O comediante Cássio Moys ganhou fama nas redes sociais falando sobre a vida no Grajaú, em São Paulo - lucaxfeed no Instagram

Por conta dos vídeos de humor que contam o dia a dia do local, o influencer de 27 anos ganhou fama nas redes sociais, onde tem mais de 9.000 seguidores. A inspiração para misturar comédia com a realidade do bairro, diz ele, veio da música Grajauex, do cantor Criolo (que também é da região).

“Cada bairro tem um cara que enaltece o lugar. Do mesmo jeito que antigamente as pessoas não gostavam de falar que eram do Capão [Redondo] até chegar o Mano Brown e hoje em dia a galera tem orgulho de ser de lá”, conta.

Cássio nasceu no Jardim Irene, no Capão Redondo, e se mudou para o Jardim Eliana, no Grajaú, com a avó aos 13 anos, em 2007. A sua entrada no humor, porém, é bem mais recente —seu primeiro conteúdo sobre o Grajaú foi postado só em maio de 2021.

Por meio do vídeo que tinha como legenda “quando você mora no GRAJAÚ e trabalha em qualquer lugar fora do GRAJAÚ”, muitos seguidores passaram a contar sobre as dificuldades na ida e volta para casa.

Com a popularidade dos vídeos, também começaram a surgir pessoas que falavam mal da região e de seus moradores. Cássio não ficou calado e passou a responder a todos com um toque de bom humor.

“Os homens do Grajaú não prestam”, publicou uma seguidora. “Mas você é do Grajaú?”, questionou Cássio. “Mas eu sou diferente”, respondeu. “Então o alecrim dourado é diferente? Vários habitantes, todos iguais, e só ela era diferente”, rebateu o humorista, que a partir dali passou a chamar os seguidores carinhosamente de alecrins.

Ele diz que gosta de comédia desde pequeno e que, após assistir ao seriado ‘Os Caras de Pau’, com Leandro Hassum e Marcius Melhem na TV Globo, decidiu que se não desse certo como jogador de futebol, se tornaria humorista.

Em 2015, entrou para a faculdade de rádio e TV na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), onde fez amizade com um homem que trabalhava com o humorista Diogo Portugal. Esse amigo acabou indicando Cássio para trabalhar com um outro comediante, Dinho Machado —a sugestão deu certo e a dupla atua junta desde 2016.

Com isso, o jovem decidiu trancar a faculdade e passou a produzir vídeos e apresentações de stand up. Além de conhecer pessoas do meio artístico, também assistia aos shows toda semana. Em 2017, subiu pela primeira vez ao palco em uma casa noturna na rua Augusta (na região central de São Paulo).

“No meu primeiro show eu já falei sobre o Grajaú. Disse que tinha muito grafite e que se você comprasse uma geladeira nas Casas Bahia ela já ia chegar grafitada. Foi ruim, mas guardo o vídeo até hoje”, diz.

Segundo ele, o bairro onde mora ganhou espaço em suas apresentações porque as pessoas se sentem representadas por ele. “Um dia quando teve greve no trem, eu estava dormindo e um monte de gente me mandou mensagem perguntando sobre os vídeos. Quando ia fechar o Bom Prato, as pessoas também pediram.”

Apesar de retratar as dificuldades e o cotidiano da região, Cássio diz que não quer falar de coisas sérias, mas fazer as pessoas rirem. Uma de suas séries de vídeo mais famosas é sobre os problemas dos ônibus do Grajaú. “Isso é uma parte triste, mas transformo em humor. Se a gente só for chorar, a gente não vive”.

​Em um dos primeiros vídeos antes de falar sobre Grajaú, Cássio criticou a modelo Giovanna Novaes que disse não ser racista por “ter uma cachorra preta”, mas percebeu que esse conteúdo estava fazendo com que as pessoas refletissem mais sobre o racismo do que dar risada.

“Na minha comédia eu sempre gosto de deixar uma mensagem, mas não de forma de que vou ser ativista e depois comediante. Se eu conseguir unir as duas coisas é muito bom, mas primeiro vem a comédia.”

Cássio ainda reforça que o trabalho dele busca romper com os estereótipos sobre o que é ser pobre, favelado e negro. “Tem muita gente incrível nesse bairro. Eu tenho que falar bem, porque gosto das pessoas daqui. Não é porque a gente é da favela que a gente não tem educação, que a gente não pode fazer as coisas”, fala.

Ele observa que outros comediantes já estão fazendo o movimento de levar mais pessoas da periferia para os teatros e falar sobre as suas realidades. Um exemplo disso é o comediante Thiago Ventura, de Taboão da Serra. Outros nomes que o inspiram são Yuri Marçal, Jhordan Matheus e Felipe Kot.

“Comédia nada mais é do que identificação. Quanto mais pessoas falando sobre o que a gente vive, melhor. A gente se sente bem, porque estão falando sobre a nossa vida. A gente se sente até mais íntimo do comediante, porque ele passa as mesmas coisas que a gente”, conclui.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.