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Entre cantos, linhas e agulhas, rendeiras resgatam tradição em Carapicuíba (SP)

Por meio do artesanato, Rendeiras da Aldeia ampliam renda e adquirem novas perspectivas

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​Zeca Ferreira
Carapicuíba (SP) | Agência Mural

​Linha, agulha e uma fita fina de algodão chamada lacê são as bases da renda renascença, que surgiu na Itália, no século 16, e foi trazida para o Nordeste brasileiro pelos portugueses no período da colonização. Em Carapicuíba, cidade da região oeste da Grande São Paulo, artesãs atualmente resgatam essa tradição manual e transformam a vida de mulheres por meio do artesanato.

As Rendeiras da Aldeia, como são chamadas, atuam na Oca Escola Cultural desde 2006. O local fica próximo da Aldeia Jesuítica, de 1580, um patrimônio histórico.

Composto de nove mulheres, o coletivo reúne outras pessoas da comunidade que vão até a Oca aprender a rendar. O grupo surgiu inicialmente durante um processo de alfabetização de moradores da região de Carapicuíba e, só depois, passou a se dedicar à renda.

Grupo de artesãs Rendeiras da Aldeia trabalham no projeto Oca Cultural, em Carapicuíba, direcionado às mulheres e mães da região
Grupo de artesãs Rendeiras da Aldeia trabalham no projeto Oca Cultural, em Carapicuíba, direcionado às mulheres e mães da região - Eduardo Anizelli/Folhapress

​Lucilene Silva, 49, coordenadora-geral, explica que enquanto trabalhava com as crianças percebeu que muitas ainda não sabiam ler nem escrever. Com isso, a educadora e moradora do bairro da Aldeia resolveu alfabetizá-las.

O projeto se estendeu para adultos quando a mãe de uma delas, Aliane Lindolfo, 50, pediu para ser alfabetizada também. Depois, somaram-se outras mães e mulheres do território. "Segui o mesmo percurso utilizado com as crianças", explica Lucilene.

"Primeiro, entendi o que elas já sabiam para depois construir um novo conhecimento [ler e escrever] a partir da história de vida de cada uma."

Como parte do processo de alfabetização, as mulheres, vindas de diferentes regiões do Brasil, se reuniam na Oca para compartilhar saberes e cantos de trabalho. Enquanto cantavam, realizavam diferentes tipos de artesanatos, como tricô. Foi assim que, em 2006, nasceu o grupo que viria a se tornar as Rendeiras da Aldeia.

A identidade atual das rendeiras começou a tomar forma em 2010, após a chegada de Wilma da Silva, 56, ao grupo. Moradora de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, ela foi a responsável por ensinar a renda renascença para as artesãs da Aldeia a convite de Lucilene.

Natural de Pesqueira, Pernambuco, Wilma já costurava aos nove anos. "Aprendi com uma senhora que morava na minha rua, dona Marieta", recorda. Em 2013, apoiada pela escola, ela foi nomeada Mestra da Renda Renascença pelo Ministério da Cultura.

Semanalmente, às quintas-feiras, a mestra gasta duas horas para ir da casa dela, na zona leste, a Carapicuíba. Inicialmente, ela planejava passar apenas três meses com o grupo —já são cerca de 12 anos.

Além de atuar com as Rendeiras da Aldeia, Wilma vende peças na feira da praça Benedito Calixto, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. "A renda virou renda", brinca a mestra.

Rendendo histórias

Moradora da Aldeia desde 1974, Lucilene Souza, 47, explica que conheceu a Oca Escola Cultural, lar das rendeiras, por conta do filho hiperativo que passou a frequentar o espaço em 2010.

Familiarizada com trabalhos manuais, ela não demorou para entrar no grupo de artesãs. "Costumava dizer que era esposa, mãe e dona de casa. Não existia Lucilene. O que a Lucilene quer fazer? Quais os sonhos dela?", conta. "Mas, depois de entrar na Oca, percebi que tinha que me valorizar."

O momento de virada foi quando as rendeiras viajaram para o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. A experiência de intercâmbio cultural com as artesãs do Vale durou 15 dias. Foi a primeira vez que Lucilene se afastou dos filhos para viver um sonho.

Costumava dizer que era esposa, mãe e dona de casa. Não existia Lucilene. Mas, depois de entrar na Oca, percebi que tinha que me valorizar

Lucilene Souza

artesã do grupo

Já para a professora de geografia Núbia Esteves, 55, fazer esse tipo de costura começou por hobby, para fugir do estresse do sistema educacional. Integrante das Rendeiras da Aldeia há 12 anos, ela é a responsável pelos desenhos do grupo.

"Uma peça de renda renascença com 30 centímetros de largura por 30 centímetros de comprimento demora, em média, 25 dias para ficar pronta", explica a professora, moradora da Vila Cretti.

O primeiro passo para fazer uma peça é justamente o desenho, que é feito em papel vegetal. Depois, ele é costurado em um plástico para dar firmeza. A próxima etapa é colocar o lacê, fita fina de algodão que une as tramas. Finalmente, o conjunto é fixado em uma almofada e todos os espaços são preenchidos com linha.

E o que começou de forma despretensiosa para Núbia foi se profissionalizando. Em 2021, as rendeiras completaram 15 anos e a professora percebeu a mudança do projeto ao longo dos anos, com formações, viagens e apresentações.

A iniciativa impactou a vida das rendeiras nesse período, como a de Aliane Lindolfo, precursora do grupo.

"Sou da roça, cortadora de cana. Quando vim para a Oca, queria aprender a escrever meu nome. Mas a renda me proporcionou muita coisa, como me apresentar no Sesc, aparecer no jornal e dar uma vida melhor para meus filhos", conta.

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