Descrição de chapéu aniversário de São Paulo

Paraisópolis tem fazenda urbana que alimenta moradores da favela

Projeto em comunidade de São Paulo produziu e doou à população local duas toneladas de hortaliças em 2021

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Chantal Brissac
São Paulo

A favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, está um pouco mais verde, inclusiva e saudável.

Desde outubro de 2020, o pavilhão principal do complexo, um espaço de 900 m², virou fazenda urbana, abrigando horta vertical hidropônica com capacidade para 960 pés de hortaliças e, no chão, canteiros e caixas onde brotam 60 tipos de legumes, verduras, ervas aromáticas, flores comestíveis e frutas.

Batizado de AgroFavela-ReFazenda, em homenagem à canção de Gilberto Gil, o projeto fechou o ano de 2021 com duas toneladas de hortaliças cultivadas e distribuídas para os moradores.

Toda a colheita é doada à população —hoje são 100 mil pessoas na favela— e ao projeto Mãos de Maria, que produz quentinhas para os locais e mantém um restaurante. Qualquer pessoa do complexo pode receber os produtos.

Ismael de Oliveira, 39, morador de Paraisópolis, rega hortaliças da horta vertical da favela
Ismael de Oliveira, 39, morador de Paraisópolis, rega hortaliças da horta vertical da favela - Eduardo Knapp/Folhapress

"Quem conheceu o pavilhão antes e o visita hoje vê uma diferença enorme", diz Gilson Rodrigues, idealizador do projeto e presidente do G10 Favelas, bloco de líderes e empreendedores formado por moradores das dez maiores comunidades do Brasil.

O terreno árido e cinza virou um espaço verdejante e fresco. "Virou terapia para muitas pessoas: passar um tempo na horta, ajudar a cuidar e ver as plantas crescerem."

Gilson começou a desenhar o AgroFavela na sua cabeça ainda em Itambé, na Bahia, sua cidade natal.

"Eu chegava na casa da minha tia Vitória, de 108 anos, e via que ela tinha uma horta imensa no quintal. E matutava por que as pessoas em São Paulo não têm horta. Um dia subi nas lajes dos moradores, olhei para tudo aquilo e pensei que era lá mesmo, em cima de cada laje, que podia caber uma horta."

Em 2017, em estágio anterior do projeto, nasceu o Horta na Laje, com suporte do Instituto Stop Hunger, ligado ao grupo Sodexo. O objetivo era capacitar pessoas a cultivar hortaliças em casa, visando saúde e renda.

Com parceria de professores de agronomia da Unesp, o projeto ganhou prêmios e tornou-se o coração do bistrô Mãos de Maria, que empodera mulheres pela gastronomia e também vende refeições a preços populares.

Veio a pandemia e o projeto foi interrompido, até que, em outubro de 2020, tomou novo fôlego e encorpou, virando a horta comunitária.

Desde então, as duas toneladas de hortaliças orgânicas produzidas já beneficiaram 2.556 famílias e 12,7 mil pessoas, além das 11 mil que recebem diariamente marmitas do projeto Mãos de Maria.

Em 2021, mais de 300 pessoas receberam treinamento por meio de oficinas, sendo 284 mulheres e 16 homens.

"Nosso objetivo é que as mulheres levem esse conceito para suas casas, suas lajes, criando hortas verticais em baldes, garrafas pet, vasos e ofereçam uma alimentação mais saudável para suas famílias. O foco é o empoderamento feminino, mas o projeto é aberto a todos", afirma Davi Barreto, superintendente do Instituto Stop Hunger.

Gilson quer combater a fome e a desnutrição não só em Paraisópolis. Heliópolis, maior favela de São Paulo, com cerca de 200 mil habitantes, adotou o AgroFavela em março de 2021, com o mesmo sistema vertical e orgânico, oficinas para os moradores e suporte técnico e financeiro do Stop Hunger.

"As favelas já olham para Paraisópolis como referência, então ela não pode dar errado, tem a responsabilidade de ajudar a puxar outras favelas em São Paulo e em todo o Brasil", afirma Gilson.

Morador de Paraisópolis desde a infância, o ex-líder de grêmio estudantil montou o G10 Favelas há dois anos, para dar escala a todas as iniciativas da favela da zona sul.

"O G10 é fruto do nosso desejo de querer prosperar e mostrar uma favela potente, nunca carente, uma favela que consegue achar suas próprias soluções, porque no dia a dia a gente é visto como marginal, pobrinho, coitadinho, violento", afirma.

"Não é essa favela que a gente conhece nem que a gente quer ser. É a partir dessa perspectiva que decidimos criar um novo olhar, trazendo também a formação de líderes."

Paraisópolis concentra hoje 26 projetos sociais e um hub de aceleração de negócios para os moradores.
Gilson agora está atrás de um espaço maior, em cidades no entorno de São Paulo, para criar uma grande fazenda urbana e ajudar mais pessoas durante a crise.

"A experiência de Paraisópolis pode se espalhar e abastecer os lugares mais carentes. É simples, fácil, barato e pode ser feito nas lajes, no alto dos prédios e nos quintais, trazendo mais verde para São Paulo, superimpermeabilizada nesses anos todos", diz.

"Daqui um tempo, quando as pessoas passarem de helicóptero ou de avião sobre Paraisópolis e outras favelas, eu quero que elas vejam aquele verde todo em cima das casas, reflexo do que as nossas fazendeiras urbanas podem fazer, usando seus espaços ociosos para alimentar as pessoas", conclui ele.

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