Mortes: MC Jessikinha viveu e morreu pelo rap

Jéssica Schimidt inspirou muitas mulheres a entrarem em batalhas de improviso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Por dez anos, Jessikinha nunca faltou a um duelo de rap. Começou aos 13 na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, e terminou aos 23 como "figurinha carimbada" na Batalha da Aldeia, point da juventude do hip-hop de Barueri, na região metropolitana de São Paulo.

As rimas "tocavam na sua alma", afirmou ao amigo MC Bob 13 —fundador da Batalha da Aldeia— durante um podcast, numa das raras vezes em que falou sobre si. A entrevista, segundo ele, fez as pessoas a enxergarem além da "casca de proteção que criou para lidar com os problemas da vida".

Menina de cabelo rosa e tranças olha para a câmera
Jéssica Tavares Schimidt (1998-2022) - Arquivo pessoal

Na sua não foram poucos. Aos quatro anos perdeu a mãe, arrastada por uma enchente ao pedir um táxi em Pirituba, na zona norte de São Paulo, onde foi criada pela avó Neide. Na pré-adolescência, descobriu o diabetes tipo 1, que a fazia passar mal com frequência.

Só em dezembro e janeiro foram cerca de dez internações, conta a amiga Karina Yoshinari, 30, uma das poucas que ela escutava ao bater o pé e dizer que sairia para as batalhas de qualquer jeito. "Ela viveu e morreu pelo rap, ia direto da UTI. Falava que tinha que cantar", lembra.

Abusos sexuais, dificuldades financeiras e o abandono da escola também fizeram parte da trajetória de Jéssica. Por isso, superação e coragem eram temas recorrentes nos seus improvisos, que sustentava com a fala firme e o olhar profundo.

Não tinha medo de bater de frente com ninguém, mesmo quando era a única mulher em rodas com homens, e incentivou muitas a frequentá-las. Nem o bullying que sofria na internet pelas rimas truncadas, de gente que nunca conheceu sua história, a fizeram desistir.

Mulher jovem canta ao microfone em batalha de rap
MC Jessikinha, como era conhecida, cantando em batalha de rap em Barueri (Grande SP) - Arquivo pessoal

"Se eu fosse realmente parar para ligar sobre o que as pessoas pensam de mim, eu já não estava nem aqui mais", rebateu durante o podcast. "As batalhas foram um refúgio [...]. Não é só por prêmio ou por estar em batalha famosa, é muito mais do que isso para mim", completou.

Segundo Karina, a amiga tinha "uma vida dupla e, para isso, tem que ser muito forte". Por trás da rebeldia, em casa era extremamente carinhosa, até carente, e adorava comer e brincar com as crianças. Tinha uma voz bonita, descoberta quando pequena na igreja evangélica Bola de Neve.

Há dois meses, a avó caiu no banheiro e não resistiu a uma cirurgia na bacia. Já com a saúde bastante fraca, morando sozinha, Jéssica não queria mais tomar os remédios. Passou mal e foi levada ao hospital. Morreu no último dia 28.

​​coluna.obituario@grupofolha.com.br

Veja os anúncios de mortes

Veja os anúncios de missa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.