'Dr. Google', Ygor Salles ajudou a criar identidade das redes sociais da Folha

À frente da homepage, último cargo que ocupou, foi o editor tranquilo

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São Paulo

Foi por adorar futebol que Ygor Salles resolveu ser jornalista. Em Americana, no interior de São Paulo, chegou a torcer pelo Rio Branco, mas ainda criança tornou-se são-paulino roxo, em 1991, ano em que o time venceu o Campeonato Paulista e o Brasileiro.

De uma inteligência rara, introspectivo e extremamente focado a ponto de parecer mal-humorado, permanentemente disponível para ajudar quem fosse. Tais características o acompanharam da infância à vida adulta, encerrada precocemente.

Ygor morreu neste domingo (30), aos 41 anos, por complicações decorrentes de uma embolia pulmonar. Como sempre desejou, foi cremado, e suas cinzas serão jogadas no Estádio do Morumbi.​

Homem manda um beijo atrás de tela de monitor
O jornalista Ygor Salles na Redação da Folha, fazendo careta para câmera depois de perceber que estava sendo fotografado de longe - Otavio Valle/Folhapress

"O mais racional e quieto dos cinco irmãos", diz Eric Salles, um dos gêmeos caçulas. "Nós vivíamos enchendo o saco para distraí-lo, mas ele estava lá, sempre estudando ou lendo alguma coisa". E, claro, essa coisa era futebol. "Ele me influenciou demais. Me estimulou a sair de casa, influenciou meu gosto musical, Legião, Titãs. Depois, sim, gostou de Pearl Jam mais que tudo", diz. "Off He Goes" e "Wishlist", da banda americana, foram tocadas em sua despedida.

"Foi a pessoa mais inteligente que conheci na vida. Éramos crianças, eu 7, ele um ano mais novo, e me mostrava como jogar xadrez", conta Cristiano, o irmão mais velho.

Antes da faculdade, era de poucos amigos e contido. A mudança para Bauru, onde foi cursar jornalismo na Unesp, mudou tudo. Ygor contava ter achado os seus, com os mesmos valores e desejos. E comemorava, uma década depois, tantos colegas de turma terem se tornado colegas de Redação na Folha.

"Um tempo de faculdade define muito o Ygor", conta o jornalista Renato Carvalho, 44, seu melhor amigo. "Eu fui despejado e, na hora, me levou para morar com ele, mesmo sem espaço. Depois nos mudamos para um lugar quebrado, sem nada, porque todo o dinheiro era para assinar jornais, pagar revistas e bancar TV a cabo e internet. ‘É disso que a gente precisa, informação’, o Ygor dizia. O foco dele era ser o melhor jornalista de todos", relata.

Os mais velhos poderiam chamá-lo de enciclopédia, mas o apelido entre amigos era mesmo Dr. Google.

Seu interesse genuíno por saber o máximo possível de tudo tornava engraçado o fato de ele conhecer, na mesma medida, todos os times da terceira divisão da Itália e, por ordem alfabética, as empresas listadas no Ibovespa. Ou a trajetória política de qualquer senador eleito.

Depois do futebol, que rendeu o primeiro estágio e emprego ainda na faculdade (no extinto Futbrasil.com), a cobertura de economia conduziu sua carreira. Ygor fez parte do Focas, o programa de treinamento do Estado de S. Paulo, e logo depois ingressou como repórter no jornal DCI, onde ficou por três anos.

Cobriu as áreas de tributos, contas públicas e comércio exterior, mas gostava mais de macroeconomia. Foi editor de política econômica e finanças, temas dos livros que estão no centro da estante na sala de sua casa.

Nos tempos de DCI, a fama de cara amarrada só para fazer tipo já era conhecida de todos, que o provocavam para ouvir alguma resposta mal-humorada/inteligente/irônica. Sua gargalhada alta acompanhada de um ‘rá’ era marcante.

No início dos anos 2000, conheceu Sheila. Primeiro veio o namoro à distância –ele em São Paulo, ela em Curitiba. Casaram-se no fim de 2006. Ele não fazia nenhuma questão de esconder que acima do jornalismo e do São Paulo, só estava ela.

O cenário mudou em 2015, quando em julho veio a filha, Paloma, para disputar esse primeiro lugar. Com ela, sim, os sorrisos eram largos e leves, e nem as tradicionais caras de bravo forçadas nas fotos ele conseguia manter.

Ele, de preto, sentado em um gramado sorri. Ao lado uma mulher sorri, usando bluca branca, e à frente uma menina, de vestido cor de rosa, é segurada pelos dois. A menina tmbém está rindo.
O jornalista Ygor Salles com a mulher, Sheila, e a filha, Paloma, em foto no parque Ibirapuera, em São Paulo - Arquivo Pessoal

Sheila sempre brincou que, na verdade, tinha ciúmes de outra, sim: a Folha. Em muitos dias, ela conta ter falado "não é possível você amar tanto assim isso aí", num misto de impaciência e orgulho.

Ygor chegou à Redação da Barão de Limeira quando ela ainda era duas, antes da fusão impressa e digital. Foi primeiro repórter de Dinheiro da Folha Online, e depois de um MBA executivo em finanças, cobriu mercado financeiro na Redação unificada.

Por dois anos foi redator da capa do site, para em 2013 assumir a coordenação das redes sociais do jornal, no momento de crescimento da importância e da audiência desses canais. Criou o blog #hashtag, até hoje um dos mais lidos, para registrar e refletir as novas narrativas digitais, mostrando como a comunicação por memes era, sim, algo especial dos brasileiros. Em 2017, passou também a comandar a homepage da Folha.

"A inteligência contribuía para essa primeira impressão de braveza dele. Era um leitor de Atlas, né? Suas respostas rápidas jamais foram para diminuir ninguém, eram naturais e espontâneas, ele apenas sabia. E por isso estar perto era ótimo", diz Renato.

Das suas equipes, os relatos de calma, tranquilidade e paciência mesmo nos momentos mais turbulentos. Entre tantas notícias urgentes, de pressão por todo lado, ouvir um "calma, cocada" vindo dele, em resposta à cobrança de "ainda não entrou?", deixava todos mais leves.

Antes de fazer algum pedido que pudesse afetar a vida pessoal de alguém da equipe, ele mesmo preferia se sacrificar. Se não houvesse alternativa, já se desculpava de antemão, oferecia alguma contrapartida e fazia uma piadinha sobre como você tinha "perdido miseravelmente" (ele adorava advérbios de modo).

Ele era um aplicativo de rotas e mapas personificado. E quando o assunto envolvia o Nordeste, era referência. Das melhores praias aos itens mais saborosos dos cardápios dos restaurantes locais. Dizia que um dia ainda moraria por lá.

"Ygor era aquele ranzinza divertido. Cara de grande coração", resume o fotógrafo Otavio Valle, autor da foto que ilustra este texto, ex-professor na Unesp e colega de Redação. "Ele está fazendo careta para câmera depois de perceber que estava sendo fotografado de longe. Sempre alto-astral e generoso."

Deixa a mulher, Sheila, a filha Paloma, de 7 anos, a mãe, Sandra, e quatro irmãos –Cristiano, Priscila, Eric e Denis.

RAIO-X

YGOR SALLES (1980-2022)

Formado em jornalismo pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC/Unesp), em Bauru, nasceu em São Paulo. Na Folha desde 2007, era editor de Homepage. Antes, coordenou a equipe de Mídias Sociais e foi repórter de economia. Criou o #hashtag, blog de mídias sociais do jornal.

Erramos: o texto foi alterado

O jornalista ​Ygor Salles nasceu na cidade de São Paulo, e não em Americana, para onde se mudou ainda criança. O texto foi corrigido.

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