Roubo de celular se concentra na volta para casa e na periferia de SP

Um em cada quatro assaltos ocorre das 19h às 22h; levantamento analisou mais de 89 mil boletins de ocorrência de roubo

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São Paulo

A volta do trabalho, no início da noite, é o momento em que mais se corre o risco de ter o celular levado por ladrões na capital paulista. O perigo é ainda maior para quem vive na periferia, onde estão os bairros que lideram esse tipo de crime.

Levantamento feito pela reportagem analisou mais de 89 mil boletins de ocorrência registrados na cidade no ano passado e constatou que o período entre 19h e 21h59 concentra 1 em cada 4 roubos de celular (26,5%).

As "franjas" do mapa são as regiões com maior incidência do crime, com destaque para uma mancha urbana no extremo da zona sul, em bairros como Capão Redondo, Campo Limpo, Jardim Ângela, Jardim São Luís e Grajaú, onde ficam 6 dos 10 distritos policiais com mais assaltos em que celulares foram levados.

Considerando os números gerais, os casos de roubos de celular na capital paulista caíram de 114.050 para 92.195, entre 2019 e 2020, e para 89.866, em 2021. Já os furtos diminuíram de 113.783 para 81.172, também entre 2019 e 2020, e registraram alta de 6,9% no ano passado, chegando a 86.754.

Passageiro aguarda embarque em ponto de ônibus do Capão Redondo (zona sul de São Paulo), região que concentra maior número de boletins de ocorrência por roubo de celular - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a presença massiva de smartphones em todos os pontos da cidade contribui para uma "lógica cruel".

"De algum modo, essa lógica cruel, que envolve mais violência na periferia, é também um desdobramento de uma certa desigualdade da própria cidade, com a distribuição de políticas públicas em que a periferia é mais vulnerável [a crimes violentos], em geral por concentrar menor efetivo policial."

A especialista destaca que, por ser um equipamento de alto valor, é fácil para o criminoso "passar para a frente" o celular, "fazendo dinheiro rápido" com o crime.

O dano causado a quem tem o celular roubado vai além do valor do telefone em si. É por meio do aparelho que uma diarista, um pedreiro, um eletricista ou qualquer autônomo da periferia consegue trabalho, ao manter contato com contratantes que, geralmente, vivem em regiões mais centrais da capital.

E nem sempre é fácil repor rapidamente o smartphone levado pelo ladrão.

Além da perda do aparelho, as vítimas correm também o risco de terem suas contas bancárias esvaziadas. Há quadrilhas especializadas nesse tipo de ação, capazes de abrir smartphones em minutos, mesmo com bloqueio por senha numérica, reconhecimento facial ou biometria.

Morar em pontos críticos para roubos de celular na capital paulista é viver em estado de tensão, principalmente no horário de saída ou chegada do trabalho em pontos de ônibus.

Contribui para isso o fato de que, de forma geral, as vias que se espalham a partir das avenidas principais são pouco iluminadas, o que favorece a abordagem violenta —são comuns as ações em que os criminosos chegam de moto e fazem ameaças com armas de fogo.

Na noite do último dia 16, a Folha esteve na área do 47º DP (Capão Redondo) e conversou com moradores da região. Todos viveram alguma situação perigosa ou conhecem alguma vítima.

A reportagem presenciou ainda, naquela noite, o momento em que um suspeito foi imobilizado por vítimas de uma tentativa de roubo de celular, perto de pontos de ônibus na estrada de Itapecerica.

A operadora de telemarketing Edvania Aparecida, 36, conta que fica atenta sempre que coloca os pés na rua. Ela foi assaltada há cerca de cinco anos, quando ia comprar pão pela manhã com o filho, de 16 anos. Dois suspeitos em uma moto levaram os celulares de ambos.

"Depois disso, não consigo ficar mais tranquila. Sempre ouvimos histórias de pessoas assaltadas ou seguidas por ladrões, a maioria das vezes em motos. É só ver alguma moto se aproximar que me dá pânico", afirmou.

A cuidadora Tamires Stefani, 27, diz que uma amiga teve o celular roubado durante um arrastão feito por homens que estavam em uma moto, há cerca de um mês, enquanto aguardava um ônibus para ir ao trabalho, no início de uma manhã, na avenida Ellis Maas, no Capão Redondo.

"Ninguém aqui no bairro fica tranquilo, mesmo com os celulares guardados nas bolsas ou bolsos. Os ladrões ameaçam com armas e levam [os aparelhos]", resume Stefani.

Durante as cerca de cinco horas em que a Folha permaneceu no bairro, foram avistadas duas viaturas da Polícia Militar fazendo rondas.

As regiões periféricas são mais passíveis de roubos com uso de violência por causa do menor volume de policiamento, afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Os bairros ricos tendem a ser mais protegidos do que os bairros com população mais pobre. As regiões ricas contam com segurança particular, além de policiais fazendo bico. A segurança acaba sendo maior, por uma questão econômica", avalia.

Ações da polícia

A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo afirma que, desde o início da atual gestão, de João Doria (PSDB), os crimes contra o patrimônio na capital paulista vem caindo. Em 2021, os casos de roubos e furtos recuaram 5% e 7%, respectivamente, na comparação com 2018.

"Especificamente sobre os celulares, as polícias paulistas realizam –e têm intensificado– as operações diárias para combater a subtração e a receptação desses equipamentos", diz, em nota, a pasta, citando operação deflagrada no último dia 17 pela PM para desarticular quadrilhas que utilizam bicicletas para furtar aparelhos na região central da cidade.

A secretaria também informa que a Polícia Civil realizou a operação Hemera na mesma data para cumprir mandados de prisão contra pessoas que roubam e utilizam os equipamentos para fazer transferências bancárias. "Desde o início deste ano, 45 criminosos foram detidos e encaminhados à Justiça por crimes dessa natureza", conta a nota.

Ainda segundo a secretaria, ao longo do ano passado, ações na capital permitiram a prisão de mais de 530 criminosos e a recuperação de mais de 16 mil aparelhos celulares roubados ou furtados.

A pasta destaca também operações da PM, como a São Paulo Mais Seguro e a Hércules, para fiscalizar ocupantes de motocicletas, com o objetivo de combater roubos e furtos cometidos com o uso desse tipo de veículo.

"Em relação às regiões citadas pela reportagem, esclarecemos as ações de policiamento serão reorientadas", afirma.

Já a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), diz que a substituição de lâmpadas antigas da rede de iluminação pública do município segue em ritmo acelerado, o que pode ajudar a diminuir o crime em ruas mais escuras.

"Até o momento, 597 mil luminárias, o equivalente a 94% de todo o parque municipal de iluminação, já foram remodeladas para lâmpadas de LED, tecnologia que garante maior luminosidade e menor consumo de energia", afirma, em nota.

Conforme a administração municipal, a cidade terá toda a rede de iluminação pública operando em LED antes do prazo de 2024, estabelecido em contrato da PPP (parceria público-privada).

A prefeitura afirma que, inicialmente, houve prioridade para vias de grande fluxo de pessoas e veículos, locais com alto índice de criminalidade e no entorno de equipamentos públicos, como escolas e hospitais.

"Posteriormente, a remodelação da iluminação pública passou a ser feita por distritos da cidade, dando prioridade aos mais periféricos", acrescenta.

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