Descrição de chapéu
datafolha

Explosão da população em situação de rua e os desafios da emergência habitacional

Cresce a presença de famílias inteiras, mulheres e crianças nas vias de São Paulo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Raquel Rolnik

Professora titular da FAU-USP

Aluizio Marino

Posdoutorando da FAUUSP e coordenador do LabCidade

Moradores de São Paulo reconhecem e demandam ações por parte dos governos municipal e estadual para enfrentar a verdadeira explosão de pessoas vivendo nas ruas, segundo a pesquisa Datafolha.

Dos moradores da cidade de São Paulo, 85% identificam esse fenômeno. Na região metropolitana e no interior do estado, esses percentuais são de 78% e 56%, respectivamente. No caso da capital, os dois últimos censos da População em Situação de Rua, realizados em 2019 e 2021, indicam, de fato, um aumento de 31%.

A ausência de um censo metropolitano ou estadual dessa população não nos permite confirmar a percepção. Mas os dados também chamam atenção e revelam que muito provavelmente o crescimento de pessoas vivendo nas calçadas não se limita à capital.

Barracas utilizadas por moradores de rua na praça da Sé, no centro paulistano - Mathilde Missioneiro - 5.jan.22/Folhapress

A análise territorial dos dados censitários disponíveis evidencia percentuais mais elevados de crescimento de população em situação de rua em regiões localizadas fora do centro expandido. Em Perus (555,6%) e Vila Maria/Vila Guilherme (276,3%) é onde o censo identificou as maiores taxas de crescimento, mas em subprefeituras, como Ipiranga, M’boi Mirim, Sapopemba, Itaquera, São Miguel, Vila Mariana e Itaim Paulista, esta população também mais do que dobrou.

Concentração territorial (mapa de calor) da população em situação de calçada (não acolhida), obtida pela geolocalização dos entrevistados pelos censos (2019-2021)
Concentração territorial (mapa de calor) da população em situação de calçada (não acolhida), obtida pela geolocalização dos entrevistados pelos censos (2019-2021) - Fonte: SMADS-PMSP | Elaboração: Aluízio Marino

Além do aumento do número, o censo também indica uma mudança importante no perfil dos atuais moradores: cresce a presença de famílias inteiras, mulheres e crianças transformando a cena das ruas.

Mas o que explica essas mudanças? Não há dúvida que a crise econômica, agravada pela pandemia, com seus efeitos de aumento de desemprego e diminuição de renda dos mais pobres, tem parcela importante de responsabilidade na medida em que tiveram como efeito o aumento da pobreza e consequentemente o aumento da incapacidade de arcar com os custos da moradia para parcelas maiores da população.

Mas não é só isso: é necessário examinar dois importantes aspectos fundamentais para essa equação. O primeiro é a própria dinâmica dos mercados residenciais durante este período, e a segunda é as políticas públicas desenvolvidas para enfrentar esta situação.

Ao contrário do que poderíamos supor, os anos de crise econômica e perda de renda não foram acompanhados por diminuições nos preços de imóveis e aluguéis na cidade. Pelo contrário: nos últimos anos, estamos vivendo um boom imobiliário na capital, apesar da perda de renda, especialmente dos mais pobres.

Isso porque a dinâmica deste mercado está muito mais atrelada à disponibilidade de capital financeiro e seu apetite por ativos imobiliários (o que em períodos de baixas taxas de juros tende a crescer) do que pelas necessidades habitacionais. O resultado está visível nas ruas e ocupações, que também explodiram no período. Configura-se assim uma verdadeira situação de emergência habitacional.

A segunda consideração se refere às políticas públicas necessárias para enfrentar esta situação: momentos de crise exigem políticas especiais e emergenciais. Todavia, exatamente nesta conjuntura, as políticas habitacionais foram basicamente inexistentes. Recentemente, a Prefeitura de São Paulo assumiu a sua responsabilidade de atuar sobre este tema, lançando iniciativas dirigidas à crise habitacional.

A atual gestão abriu recentemente um chamamento público de uma PPP destinada à construção de moradia e espaços de acolhimento para a população em situação de rua.

Porém, a adoção do modelo de PPP como principal resposta para a crise habitacional não é adequado, não apenas por que no modelo proposto até agora não há uma definição concreta dos critérios, formas de acesso por parte da população e contrapartidas. Mas também pelas próprias dificuldades levantadas pelos empreendedores privados que inclusive fazem com que a PPP Casa da Família, lançada em 2019 e acrescida em 2020 de novos lotes, ainda não tenha nenhuma obra iniciada.

O enfrentamento do tema requer uma abordagem específica que enfrente a complexidade do tema: que é habitacional, é social, mas é, sobretudo, urgente.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.