Morte de PMs em serviço tem queda recorde e atinge menor índice em 30 anos em SP

Redução registrada em 2021 coincide com início de programa de câmeras corporais nos agentes

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São Paulo

A Polícia Militar de São Paulo registrou em 2021 o menor número de agentes mortos em serviço desde que esses dados passaram a ser contabilizados, há 31 anos. Em todo o estado, quatro policiais morreram durante o trabalho no ano passado —três deles em acidentes de trânsito durante deslocamentos com viaturas.

A PM tem atualmente um contingente de 82 mil agentes.

Na comparação com 2020, a redução foi de 78%. Há dois anos, foram 18 casos do tipo, sendo 10 em confrontos —as outras mortes ocorreram em acidentes de trânsito, que muitas vezes acontecem quando os PMs estão realizando perseguições a suspeitos.

Ainda de acordo com números inéditos obtidos pela Folha, foi a primeira vez desde 1991, início da série histórica, que o número de mortes de PMs no estado fica na casa de um dígito. O recorde de mortos a trabalho foi em 1999, com 42 vítimas.

Boné de PM de SP morto durante o serviço em 2006 durante série de ataques de criminosos - André Porto/Folhapress

A queda no número de mortes de PMs de serviço coincide com a implantação do programa de câmeras corporais com o sistema grava-tudo, o "Olho Vivo", apontado por especialistas como a principal medida adotada pela corporação dentro um pacote de ações para redução de letalidade policial.

Essa tese ganha força porque o único PM de serviço assassinado em 2021 foi, segundo a corporação, o soldado Juliano Ritter, de São Vicente, que trabalhava em uma unidade sem câmeras corporais. Assim, nos 18 batalhões integrantes do programa de câmeras, não houve nenhuma morte em 2021.

Os dados contrariam, assim, a tese de críticos do programa de que o uso de câmeras deixaria os agentes mais expostos. Segundo essa linha de raciocínio, os PMs deixariam de agir por medo de serem punidos, o que aumentaria os riscos de serem mortos. A tese foi defendida principalmente por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), como o pré-candidato ao governo paulista Tarcísio Freitas (Republicanos).

Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, é possível atribuir parte da redução de mortes de policiais ao uso das câmeras corporais, mas dentro de uma ação do comandante da PM, o coronel Fernando Alencar Medeiros, de fiscalização da tropa.

"Quando o comando segura, quando tem uma fiscalização mais forte da tropa, reduz o número de confrontos. E reduzindo o número de confrontos, tanto de um lado quanto do outro, existem menos mortes. É uma política de controle maior de comando que faz que a polícia acabe tendo resultados positivos, tanto na redução dos confrontos, quanto na redução dos policiais mortos, sobretudo. Então, tem tudo a ver com o comando, com o controle", disse.

Em 2021, a PM registrou 891 confrontos, contra 1.124 no ano anterior. Isso levou a uma queda de 36% no número de pessoas mortas pelos agentes nestas ações —de 659 em 2020 para 423 no ano passado.

Nos batalhões com câmeras corporais a redução foi ainda maior, de 85% nos últimos sete meses do ano, em comparação ao mesmo período de 2020 —o uso do equipamento foi ampliado para 18 batalhões em meados de 2021. No começo deste ano, o programa foi estendido para 33 unidades.

Além das mortes por PMs em serviço, o número de agentes mortos durante a folga também caiu, em um ritmo um pouco menor, mas com resultados recordes igualmente.

Em 2020, foram 20 PMs mortos de maneira violenta em todo o estado, contra 11 no ano passado -menor marca em três décadas. O estado já chegou a registrar mais de 100 mortes de policiais no horário de folga no final dos anos 1990. Neste século, o recorde ocorreu em 2012, com 82 vítimas.

A diminuição das mortes de PMs de folga e em serviço contrasta com uma aceleração nas mortes por suicídio entre os agentes.

Para a também socióloga Viviane de Oliveira Cubas, do NEV (Núcleo de Estudo da Violência) da USP, a implantação das câmeras pode ter gerado efeitos que ajudam a explicar a redução das mortes de PMs em confronto, mas ainda são necessários estudos sobre isso.

Fato é, ainda segundo ela, que quanto mais bem preparada estiver a tropa, menos mortes em confrontos tendem a ocorrer. Isso porque o policial se expõe menos ao risco e, assim, precisa usar menos a força.

"A lógica é assim: quando eu vou abordar um veículo, eu tento buscar o melhor lugar para eu me abrigar, para poder abordá-lo. Eu uso comando de voz, tento levar a outra pessoa a exaustão, para que ela faça o que estou pedindo, obedeça aos meus comandos, para que eu não tenha que fazer o uso da arma."

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Imagens do Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na região central de SP - Rubens Cavallari/Folhapress

O ouvidor da polícia, Elizeu Soares Lopes, disse que a diminuição da queda do número de policiais mortos é uma boa notícia tanto pelo lado humano quanto pelo social.

Para ele, os investimentos feitos pelo governo paulista ajudam nessa redução, mas também considera que é necessário um estudo aprofundado para entender o fenômeno melhor. Lopes considera, inclusive, que isso pode indicar uma mudança do perfil da criminalidade no estado.

"Como vai ser esse comportamento no ano que vem? Será algo sazonal? Foi um momento atípico? O confinamento [da pandemia] interferiu? O crime está mais organizado para evitar o confronto com a polícia? Ouso dizer que tem uma sofisticação hoje da atividade criminosa. É preciso considerar isso também", afirmou o advogado.

O porta-voz da PM, o tenente-coronel Emerson Massera Ribeiro, disse que a corporação ainda está analisando o significado dos novos dados, mas aponta algumas ações que podem ter influenciado nessa redução, como o aumento do investimento na PM.

Ainda segundo ele, dentre esses investimentos, está a ampliação do programa de câmeras que auxiliou nessa redução de confrontos e mortes. "A redução dos confrontos se intensifica com a implantação das câmeras, mas ela já vem ocorrendo desde 2020. Uma redução na quantidade de confrontos também leva a uma vitimização menor de policiais. É fato", disse ele.

"As câmeras direcionam o policial para um maior cumprimento do POP [procedimento operacional padrão], e cumprindo o POP, que é estudado e aperfeiçoado constantemente, a chance de erro diminuiu muito, como um confronto desnecessário", finaliza.

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