Esfaqueamento foi a principal causa das mortes da população LGBTQIA+

Levantamento mostra que, com retorno da vida presencial em 2021, mortes violentas voltaram a crescer

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São Paulo

O ativista LGBTQIA+ Lindolfo Kosmaski recebeu dois tiros e teve o corpo carbonizado dentro do próprio carro, em maio de 2021. Roberta Silva, mulher trans que vivia em situação de rua, teve 40% do corpo queimado por um adolescente em junho. Já Leila Debora Barbosa, uma mulher lésbica, foi levada para o mato, estuprada e assassinada com 16 tiros, seu corpo encontrado enterrada com a cabeça exposta, em março.

As tragédias descritas acima são algumas das 316 mortes violentas contra a população LGBTQIA+, que aconteceram no ano de 2021 e foram registradas em um levantamento realizado pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBT no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (11).

Dois homens se beijam diante de uma parede de luzes nas cores do arco-íris durante o Dia Internacional do Orgulho LGBT, em 2021
Dois homens se beijam diante de uma parede de luzes nas cores do arco-íris durante o Dia Internacional do Orgulho LGBT, em 2021 - Daniel Munoz - 28.jun.21/AFP

Após uma queda em 2020, a taxa de mortes violentas da população LGBTQIA+ voltou a crescer em 2021 —foram 237 há dois anos, contra 316 no ano passado. A principal causa da morte foi esfaqueamento, responsável por 28,8% dos óbitos —em segundo lugar estão arma de fogo (26,27%) e espancamento (6,33%).

Em números absolutos, o estado de São Paulo é o que mais mata, com 42 assassinatos —só na capital foram 13. Quando o relatório analisa o número de mortes por milhão de habitantes, o estado que lidera o ranking é Alagoas (4,75 por milhão) e São Paulo vai para 0,90 morte por milhão.

Um dos coordenadores do estudo, Alexandre Bogas diz que, em 2020, quando começou a crise sanitária, eventos foram cancelados e assim muitas pessoas não puderam se expor, com saídas a noite ou a boates. "Isso deixava elas mais afastadas do perigo, mas, claro, nunca é a vítima a culpada", afirma.

"O mais intrigante é que os assassinos não simplesmente matam. Tem requinte de maldade, pedrada, eles expressam o sentimento do ódio, de um preconceito enraizado", analisa ele. Gays lideram o ranking e representam 45,89% das mortes violentas, valor semelhante ao de travestis e mulheres transexuais (44,62%).

O número vai de acordo com com um relatório da TGEU (Transgender Europe), que monitora dados levantados por instituições trans e LGBTQIA+ e mostrou que, entre outubro de 2020 e setembro de 2021, o Brasil estava na liderança das mortes de pessoas trans com 125 óbitos.

Já a Antra levantou 175 casos de assassinatos de pessoas trans no Brasil em 2020 –alta de 41% em relação ao ano anterior.

O levantamento mostra ainda que 30,38% das vítimas tem entre 20 e 29 anos e que quase metade das mortes (48,1%) aconteceram no período noturno, o que equivale a 152 casos.

"Isso demanda maior atenção do poder público na garantia da segurança desse grupo em situação de vulnerabilidade", diz o relatório. Sobre esta questão, Bogas afirma ainda que é necessário que políticas educativas sejam implementadas para evitar esse tipo de ocorrência.

A principal ocupação das pessoas LGBTQIA+ que foram vítimas de violência é a prostituição. "Esta é a ocupação da qual os traveis e transexuais são em sua branda maioria", diz Bogas.

Em segundo lugar, aparecem os professores. "Se conseguimos discutir questões de gêneros, direitos reais e reprodutivos, com grandes liberdades nas escolas isso se naturalizaria e as pessoas entenderiam que não devem fazer isso", diz ele.

O estudo também buscou mapear a tipificação dessas mortes violentas e apontou que a maioria delas é classificada como homicídio (82,91%). Na sequência, aparece o suicídio (8,23%), o que o relatório aponta como um reflexo dos danos causados pela discriminação contra a comunidade LGBTQIA+. "[Isso] impacta significativamente a saúde mental das pessoas, podendo levar ao intenso sofrimento ou mesmo à retirada da própria vida por pessoas em situação de vulnerabilidade", diz o texto.

Bogas alerta ainda que é importante que levantamentos como este continuem sendo realizados pois existe uma subnotificação das mortes violentas que atingem esse grupo. "Os governos não têm esse olhar", afirma.

De acordo com último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2021, o apagão de dados sobre violência contra LGBTQIA+ atingia ao menos sete estados.

O ativista afirma ainda que o ano de 2022 tende a ser ainda pior. Isso porque, de acordo com os dados colhidos até abril, já foram registrados cerca de 100 mortes violentas no Brasil. "Normalmente, trabalhamos com 15 a 20 mortes por mês e já estamos vendo que está muito maior", calcula ele.

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