Descrição de chapéu cracolândia

Passeata pede justiça por homem morto na cracolândia, em São Paulo

Manifestação passou por dentro do fluxo, agora concentrado na rua Helvétia

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São Paulo

Manifestantes caminharam pelas ruas do centro de São Paulo pedindo justiça por Raimundo Nonato Fonseca Júnior, 32, dependente químico morto na última quinta (12) com um tiro no peito na avenida Rio Branco. Os presentes entoaram palavras de ordem pedindo o fim do "genocídio na cracolândia" e ressaltando que "vidas na craco importam".

Três policiais civis se apresentaram e confirmaram ter atirado contra usuários de drogas na noite da quinta-feira. O DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) investiga se o tiro que matou Raimundo partiu da arma de um dos policiais.

Quando o ato chegou à avenida São João, um homem identificado apenas como Pedro Henrique, que diz fazer parte da cracolândia, falou aos manifestantes pedindo justiça por Raimundo, mas também ressaltando que as pessoas em situação de rua e que vivem na cracolândia também são parte da sociedade.

"Independente de qualquer situação, nós também somos a sociedade. Nos julgam pela nossa aparência, mas não sabem de onde viemos e o quanto sofremos. Eu quero justiça, porque estou já tomei tiro de borracha, mas estou vivo. E o rapaz que perdeu a vida? Só pedimos justiça e atenção para nós que estamos aqui dentro. Também somos seres humanos, não somos bichos, não somos lixo. Quem é a sociedade para julgar a gente?"

A caminhada, que começou na praça Júlio Prestes por volta das 14h30, passou pelo antigo endereço da cracolândia, próximo ao local e pelo penúltimo endereço da cracolândia, a praça Princesa Isabel, até chegar ao novo endereço do fluxo, na rua Helvétia, junto à avenida São João.

Os manifestantes atravessaram o fluxo, onde foram orientados pelos usuários de drogas que todas as câmeras e celulares fossem abaixados.

No local, pessoas com coletes da Igreja Esperança distribuíam comida para dependentes químicos e pessoas em situação de rua. O ato foi encerrado após passar pela avenida São João, seguir pela avenida Duque de Caxias e culminar na praça Princesa Isabel.

Mais cedo, ainda durante a concentração dos manifestantes na praça Júlio Prestes, duas mulheres discutiram. Uma delas, que se identificava como sendo moradora da região, afirmava que os manifestantes defendiam dependentes químicos e a cracolândia porque não sabiam como era viver próximo ao fluxo. Outra mulher, que participava do ato, respondeu chamando a moradora de fascista.

Segundo o vereador Eduardo Suplicy (PT), a Câmara Municipal aprovou a criação do Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre a Cracolândia, no âmbito das Comissões Extraordinárias de Direitos Humanos da própria Câmara e da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

O grupo de trabalho, entidades de defesa dos direitos humanos e grupos de moradores da região da antiga cracolândia devem se reunir na próxima semana para discutir as demandas de cada parte.

A gestora de recursos humanos Mônica Teotonio, 44, moradora do conjunto de prédios em frente à praça Júlio Prestes, afirma que antes, quando a cracolândia estava concentrada próximo da sua casa, mesmo que dependentes químicos desejassem receber acolhimento e buscar tratamento, não conseguiam. "Eles estavam submissos ao tráfico, precisavam de ajuda e não tinham", disse.

Para ela, a dispersão de dependentes químicos e moradores de rua da nova cracolândia após megaoperação da polícia realizada em 11 de maio, fez com que mais pessoas conseguissem buscar atendimento e ajuda. "As pessoas que queriam ajudar [os dependentes químicos] não conseguiam entrar no fluxo. Com a dispersão, eles agora estão em grupos pequenos, ficou mais fácil de chegar até eles."

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, a busca de dependentes químicos por tratamento aumentou 23% após a megaoperação. No entanto, a Prefeitura de São Paulo afirma ter encaminhado apenas duas pessoas para vagas de internação para dependentes químicos nos últimos cinco meses. A Secretaria Estadual de Saúde afirma ter recebido seis indicações, mas diz que apenas duas pessoas aceitaram o tratamento.

Um dos integrantes do movimento A Craco Resiste, o sociólogo Marcos Vinícius Maia, 39, afirma que "a cracolândia é um espaço de violência constante da parte da prefeitura e do governo". Para ele, não há política pública efetiva em funcionamento para lidar com as questões que envolvem a cracolândia. "Não é com bomba, porrada e tiro que se trata as pessoas. A polícia espalhou o fluxo pela cidade, as pessoas da cracolândia estão andando a esmo sem ser cuidados, com fome, eles não podem parar. É uma técnica de tortura muito avançada fazer as pessoas andarem sem parar para descansar enquanto se aponta armas" para elas, disse.

Foto tirada enquanto a manifestação contra a ação violenta e sem atenção à saúde na cracolândia atravessava o fluxo. Instantes depois, o uso de câmeras e celulares foi proíbido pelo próprio fluxo
Foto tirada enquanto a manifestação contra a ação violenta e sem atenção à saúde na cracolândia atravessava o fluxo. Instantes depois, o uso de câmeras e celulares foi proíbido pelo próprio fluxo - Marlene Bergamo/Folhapress

Maia disse ainda que é preciso investigar se houve houve internação compulsória de pessoas da cracolândia via delegacia.

Na última quinta (12), policiais e integrantes da prefeitura ouvidos pela Folha relataram que a prefeitura e a Polícia Civil planejavam mudar a estratégia de combate ao tráfico de drogas no centro da cidade. Os agentes passariam a abordar dependentes químicos que estivessem consumindo crack na rua e levá-los para a delegacia, de onde seriam encaminhados para tratamento.

A polícia frisa, porém, que o processo de internação é voluntário.

Erramos: o texto foi alterado

Redação anterior desta reportagem dava a entender erroneamente que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) apoiava a internação compulsória. A política que ele apoia, segundo servidores, é a de abordagem de usuários.

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