Suspeito de ligação com PCC preside OS contratada pela prefeitura para gerir 14 creches em SP

Em documentos obtidos pela polícia, homem apontado como motorista de vereador do PT aparece como presidente de entidade que recebe repasses de R$ 1,3 mi por mês

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São Paulo

O motorista Devanil Sousa Nascimento, o Sapo, preso sob a suspeita de participação na morte do ex-presidente da Transunião Adauto Soares Jorge, é apontado em documentos obtidos pela polícia como sendo dirigente de uma entidade que mantém contratos com a Prefeitura de São Paulo para a administração de 14 creches. Os repasses da gestão municipal seriam de R$ 1,3 milhão mensais.

Segundo a polícia, Sapo foi quem levou a vítima para o local onde seria assassinada a tiros. A morte teria ocorrido a mando de criminosos do PCC —policiais ouvidos pela reportagem dizem acreditar, porém, que ele não seja membro da facção. A investigação aponta, também, que o suspeito seria motorista do vereador da capital Senival Moura (PT). O parlamentar nega.

Sapo aparece como presidente do Instituto Educacional e de Defesa dos Direitos Humanos Cora Coralina em contratos firmados para gestão de creches na zona leste. Nove delas ficam na região de Guaianazes, e outras cinco, na de Itaquera. A Folha teve acesso aos documentos.

Em toda a cidade, as OSs (Organizações Sociais) contratadas são responsáveis pela maioria dos alunos das creches, com repasses superiores a R$ 200 milhões ao mês (sem contar aluguéis), segundo dados de contratos aprovados publicados no site da prefeitura.

Ex-presidente de ônibus Transunião é morto a tiros em estacionamento em padaria da zona leste de SP em março de 2020; investigado no crime é dono de ONG que cuida de creches - Reprodução

O Instituto Educacional Cora Coralina, de acordo com cadastro da prefeitura de março deste ano, atende 2.081 alunos. Em um ano, ainda segundo os dados do site de transparência da cidade, os valores somados seriam na casa dos R$ 16 milhões.

Nascimento prestou depoimento na tarde desta terça-feira (21) aos policiais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais). Segundo a polícia, por orientação do advogado dele, preferiu ficar em silêncio.

Marcos Ribeiro Costa, advogado do suspeito, disse por meio de nota que "Devanil Sousa é homem íntegro, de vida pregressa ilibada. Foi testemunha do crime que vitimou seu amigo Adauto e, no dia dos fatos, ao ouvir os tiros e ver ver amigo caído ao chão, entrou em desespero, sendo certo que até a presente data está abalado".

Costa conta que o instituto presidido por Sapo iniciou os trabalhos em meados da década de 1980, constituindo 14 CEIs, criando empregos para 366 colaboradoras e atendendo cerca de 2.500 famílias.

"Ao longo destes anos, todo dinheiro aportado pela Prefeitura Municipal de São Paulo foi devidamente aplicado em nossas creches, sendo certo que sempre prestamos contas aos órgãos competentes, contas estas regularmente aprovadas e que estão à disposição da Justiça, Ministério Público e dos Órgãos Policiais. Isto posto, acreditando na Justiça, tem a certeza que sua inocência será provada", finalizou a nota do advogado.

Também na tarde desta terça, a Polícia Civil instaurou inquérito para apurar como Sapo conseguiu os contratos das creches com o município e se é o verdadeiro responsável. De acordo com o delegado-geral, Nico Gonçalves, há a suspeita de que Nascimento seja um testa de ferro do instituto.

"A investigação acabou de ser instaurada. Ouvimos o Sapão hoje aqui, mas ele chorou, chorou, mas não disse nada. Reservou-se ao direito de ficar calado. Mas não negou o crime", disse o delegado-geral em entrevista à Folha.

"Ele tem 14 creches, mais uma empresa que está no nome dele. É um 'laranjão', porque nem sabe o que faz. Perguntamos para ele por que tem creche, mas não sabe por quê", disse Gonçalves.

A reportagem teve acesso a diversos documentos nos quais constam, supostamente, a assinatura do suspeito como presidente da entidade gestora das creches.

A Prefeitura de São Paulo afirmou que "colabora com as investigações da Polícia Civil e presta todas as informações necessárias para esclarecimento dos fatos" e que "uma apuração administrativa está sendo feita com o objetivo de assegurar a manutenção dos serviços. Caso constatada alguma irregularidade, pode resultar na suspensão dos contratos".

Questionada, a gestão Ricardo Nunes (MDB) ainda não detalhou os pagamentos feitos à entidade suspeita de pertencer ao motorista nem o início dos contratos dele com o município.

A Transunião é uma das empresas de ônibus da zona leste da capital investigadas por suposta ligação com o PCC. De acordo com a polícia, partiu de membros da facção criminosa a ordem para o assassinato de Jorge, por supostos desvios nos recursos da empresa que pertenceriam ao crime.

Segundo os investigadores, Sapo não esboçou reação ao assistir, de dentro do carro, ao ex-presidente sendo morto a poucos metros diante dele.

Antes de fugir do local, Nascimento teria ligado para o celular de Senival Moura, que é líder da bancada do PT na Câmara de São Paulo. O vereador chegou a ter a prisão solicitada nessa investigação, por suposto envolvimento no caso, mas o pedido foi negado pela Justiça.

De acordo com a polícia, ele seria dono oculto de 13 ônibus da Transunião e chegou a ter a morte decretada pela facção criminosa, pelos mesmos supostos desvios, mas a vida dele foi salva por um ladrão de banco. Uma das condições para isso foi entregar a frota dele.

O parlamentar confirma ter recebido ligação de Nascimento minutos após o assassinato. Ele nega, porém, ligação com o crime e também nega que Sapo tenha sido seu motorista. Por meio de sua assessoria, disse que Sapo era funcionário da Transunião e, por isso, amigo em comum dele e da vítima.

Sobre as creches do amigo preso, o vereador ainda não se manifestou.

Creches e o PCC

Em um outro inquérito —no qual Sapo, por ora, não aparece— é investigado o envolvimento do PCC com a chamada máfia das creches. A apuração verifica, entre diversos pontos, se entidades lavavam dinheiro para a facção criminosa.

O principal foco da investigação, no entanto, se refere a desvios. Iniciada pelo 10º DP (Penha) e revelada com exclusividade pela Folha, a apuração achou indícios de que entidades eram suspeitas de desviar verba e até comida das creches.

A Polícia Federal já constatou desvios de ao menos R$ 14 milhões.

Além disso, a apuração aponta indícios de que exista um comércio de entidades do terceiro setor com o objetivo de gerir as creches —uma atividade que, por lei, não deveria gerar lucro.

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