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Pergunta sobre raça e cor no censo é central na luta contra a discriminação

Questão ajuda a elaborar políticas públicas eficientes para combater o problema

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Luiz Augusto Campos

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa)

O Brasil levanta a raça de sua população desde o seu primeiro censo, ainda no século 19. E o faz em um formato razoavelmente estável, com uma questão direta com respostas fechadas, divididas inicialmente em quatro categorias e, hoje, em cinco: branca, preta, parda, amarela e indígena. Contudo, as intenções por trás da pergunta e de seu formato, bem como seus usos políticos, mudaram drasticamente com o tempo.

Criada em 1872 ainda no Império, a pergunta buscava estimar a população escravizada e liberta no país, uma forma de medir o lento impacto das leis abolicionistas de então. Nos 11 censos realizados desde essa época, a pergunta só foi suprimida em dois.

Curiosamente, a supressão em 1920 se deu por motivações eugenistas. Acreditava-se que as pessoas dificilmente responderiam "corretamente" ao pesquisador a sua "verdadeira" raça. A visão dominante era de que raça seria um dado natural e objetivo, a ser aferido via técnicas lombrosianas como a craniometria de parte da população.

Marcha das Mulheres Negras, na Praça da República, em São Paulo. Manifestantes vão a rua para denunciar as violências pelas condições de gênero e raça ocoridas no Brasil
Marcha das Mulheres Negras, na Praça da República, em São Paulo. Manifestantes vão a rua para denunciar as violências pelas condições de gênero e raça ocoridas no Brasil - Bruno Santos - 25.jul.2022/ Folhapress

A questão foi suprimida novamente em 1970, mas sem grandes explicações. Contudo, foram várias as tentativas na história recente de eliminá-la ou modificá-la sob o argumento de que suas premissas seriam intrinsecamente racistas ou de que ela não capta bem nossa riqueza cromática.

Para aferir a validade da questão, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) somou à pesquisa intercensitária de 1976 uma pergunta aberta sobre cor/raça, a qual computou 135 cores diferentes. Essa profusão de categorias é muitas vezes usada equivocadamente para afirmar a nulidade da questão tradicional.

Primeiro, porque a maioria dos pesquisados escolheu as categorias tradicionais do censo.

Segundo, porque muitas das categorias computadas eram variações pequenas de uma mesma palavra ou expressão, como foi o caso dos autodeclarados brancos que preferiram termos como "branquinho", "claro", "clarinho", "alvo", "moreno claro", "moreninho claro" etc. Diga-se de passagem, questões abertas sempre computam várias categorias pelo simples fato de que existem inúmeros termos para denotar uma mesma coisa.

Foi na década de 1970 também que os dados censitários permitiram a produção de evidências robustas sobre o papel do racismo na estruturação da sociedade brasileira. Pioneiramente, sociólogos como Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva mostraram que pessoas autodeclaradas pretas e pardas tinha bem menos chances de ascender socialmente do que as autodeclaradas como brancas, mesmo quando possuíam origens sociais similares.

Isto é, embora tenhamos uma extrema e injusta desigualdade entre as classes sociais, brancos conseguem subir na pirâmide social mais frequentemente que pretos e pardos. Estes, além de tenderem a nascer em famílias mais pobres, são impedidos de melhorar de vida.

Essas análises evidenciavam cientificamente aquilo que líderes do movimento negro como Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento já denunciavam na política. Primeiro, a proximidade dos indicadores sociais dos autodeclarados pretos e os autodeclarados pardos. Segundo, a existência de fortes discriminações raciais no Brasil contra esses grupos.

Terceiro, a necessidade de políticas focais para compensar suas vítimas. Ainda que as políticas de ação afirmativa tenham demorado mais de vinte anos para emergir desde essas primeiras denúncias, elas seriam inimagináveis sem dados robustos sobre raça/cor como aqueles produzidos a partir do censo.

A questão sobre raça/cor no censo brasileiro pode até ter sido usada no passado com intenções racistas, mas hoje ela serve a fins opostos, sendo central para a luta antirracista. Graças a ela, podemos identificar as vítimas mais prováveis da discriminação racial, medir os seus efeitos e desenhar políticas públicas focais eficientes para sua mitigação.

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