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Gari usa tampinhas de garrafa e galões de amaciante em obras de arte expostas no Rio

Funcionário público da Comlurb, Oseias da Matta Santos produziu para Galpão das Artes Urbanas 17 quadros e esculturas

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São Paulo

Resíduos urbanos encontrados no lixo, como tampinhas de garrafa, plásticos diversos e areia se transformaram em peças artísticas que compõem uma exposição de quadros e esculturas elaboradas pelo gari Oseias da Matta Santos, 50.

Há 17 anos trabalhando como coletor na Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), no Rio de Janeiro, Oseias se descobriu artista ainda criança. As maiores inspirações eram os desenhos animados da televisão e o desenhista Daniel Azulay.

Desde o começo de agosto ele expõe no Galpão das Artes Urbanas, na Gávea, na zona sul do Rio, quadros e pequenas esculturas confeccionados a partir de materiais encontrados nas ruas.

"Como tem muita tampa de garrafa, estou tentando aproveitar para fazer algo que dê para usar bastante. Também fiz uma arara-azul toda de garrafa e um elefante com galão de amaciante", diz.

Oseias da Matta Santos expõe seu trabalho com resíduos urbanos até 10 de setembro, na Gávea - Eduardo Anizelli/Folhapress

Autodidata, Oseias estudou até o ensino fundamental e nunca fez cursos de desenho ou pintura. Na família, ninguém trabalhava com arte. Suas referências eram a televisão e os desenhos animados, dos quais gostava muito.

"Lembro de quando tinha 13 anos, um dia desenhei meu pai e a casa onde morava. Eu viajava [nos desenhos], como faço até hoje."

Quando mais novo, gostava de construir coisas com barro, mas ao crescer os gostos mudaram. "Preferi dedicar mais à área da pintura de quadros", diz.

Para ele, a arte faz bem para todos, por meios materiais e espirituais, e deve ser praticada da melhor maneira possível. "Arte é para fazer o bem. Se todo mundo fizesse assim, as coisas seriam bem diferentes."

O primeiro trabalho de Oseias como gari foi no Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro do Rio. Em poucos meses, ele migrou para a sede da prefeitura, onde permaneceu por mais tempo. Com limpeza de rua, trabalhou por três meses.

Em 2013, sofreu uma fratura no ombro devido ao peso excessivo do lixo coletado e foi afastado por três anos para cirurgia e fisioterapia. Longe do trabalho, Oseias utilizou o tempo para aperfeiçoar o lado artístico.

"Logo no início não pude trabalhar [na Comlurb] por conta do tratamento, mas assim que consegui voltei a fazer pinturas e peguei mais encomendas. Esse tempo serviu para aprimorar algumas técnicas", diz.

Desde 2018 ele trabalha na limpeza do próprio Galpão das Artes. "O convite veio de uma integrante do gabinete de Meio Ambiente aqui do Rio que conhecia meu trabalho e achou que aqui seria o lugar ideal para mim, onde estou até hoje."

Dentre as referências atuais ele gosta de artistas como Edinho Maga, que produz esculturas de celebridades, e filmes sobre Leonardo da Vinci e Salvador Dalí. "Tem alguns documentários sobre as obras deles que gosto bastante, mas toda a área de cultura eu gosto, no geral."

Oseias já vendeu algumas das obras expostas no galpão e recebeu integralmente pelo trabalho. "A intenção é vender todos, assim vou fazendo novos para estar sempre exposto", diz.

Um quadro de tucanos foi vendido para a professora de uma escola que fazia excursão no galpão e outro, feito com linhas, foi comprado por uma artista carioca. Os preços das obras em exposição variam de R$ 200 a R$ 1.000.

E essa não é a primeira vez em que Oseias recebe pelo produto artístico que produz. Antes mesmo de se acidentar, já vendia quadros sob encomenda, garantindo também uma renda extra.

Os colegas de profissão sempre foram receptivos com seu lado artístico, segundo Oseias. "O pessoal costuma torcer muito pelos meus trabalhos, costumam elogiar", diz.

A exposição de Oseias faz parte da comemoração por duas décadas do Galpão de Artes Urbanas da Comlurb. Responsável pelo local, Ana Cristina Damasceno afirma que a galeria preza por artistas e artesãos da companhia.

"Damos importância para os artistas da empresa, então o Oseias inaugurou a exposição em comemoração aos 20 anos do Galpão, onde outros garis também já se apresentaram."

A média de visitação do galpão é de 150 pessoas por mês e o local recebe exposições feitas exclusivamente com materiais reaproveitados.

É a segunda vez que Oseias expõe no Galpão das Artes —a primeira foi no início do ano. Ele também já apresentou obras no parque Dois Irmãos, no Leblon.

Em relação a perspectivas futuras, Oseias diz que pretende continuar divulgando e comercializando suas obras quando a exposição chegar ao fim. "Inclusive, não estou trabalhando só aqui, em casa tenho feito alguns trabalhos de pintura em vitral, de que gosto muito".

Pai de Jean, 20, e Letícia, 15, Oseias passou o interesse pela arte aos filhos. "Eles gostam bastante de música, estão até estudando a área e aprendendo a tocar instrumentos".

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