Museu Digital de Heliópolis reúne informações sobre a maior favela de São Paulo

Parceria entre Unas e Universidade Federal do ABC catalogou fotos e arquivos que contam a história da região

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Jessica Bernardo Léu Britto
São Paulo | Agência Mural

Quando a baiana Maria da Solidade dos Santos, 78, chegou a Heliópolis, na zona sul de São Paulo, em 1984, as ruas da maior favela da capital ainda não estavam asfaltadas. Também não havia rede de esgoto, creche, padaria ou coleta de lixo.

"Se eu tivesse dinheiro, tinha voltado [para a Bahia] no outro dia", lembra a diarista, que precisou procurar funcionários da prefeitura para reivindicar a coleta de lixo na rua em que morava. "Não é porque nós moramos na comunidade que vocês podem deixar o lixo tomar conta", disse ela à época para o responsável dentro do órgão.

Quase quatro décadas depois, a paisagem de Heliópolis é outra e inclui centenas de comércios, ruas asfaltadas, um CEU (Centro de Educação Unificado), conjuntos habitacionais e outros avanços, como a coleta de lixo batalhada por Maria.

Presidente da Unas, Antônia Cleide Alves posa para foto em cima de um telhado da favela de Heliópolis
Presidente da Unas, Antônia Cleide Alves considera o museu fundamental para preservar a história dos moradores - Léu Britto/Agência Mural

Para preservar parte desta história e documentar as mudanças que aconteceram desde a chegada dos primeiros moradores no terreno, em 1972, a Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) lançou neste ano o Museu Digital de Heliópolis.

O espaço virtual contém cerca de 300 arquivos sobre a história da região e foi construído em parceria com a UFABC (Universidade Federal do ABC). Coordenador de comunicação da Unas e um dos responsáveis pelo projeto, Douglas Cavalcante, 29, conta que a iniciativa era um sonho da associação.

"Aqui a gente sempre teve uma preocupação muito forte com a memória, em preservar um território que foi palco de tantas lutas e resistência de moradores", explica Douglas.

O museu dá continuidade a outros projetos criados pela Unas para preservar a história local, como a "Kombi das Memórias", que reuniu vídeos de moradores falando sobre a relação com o bairro, e o livro "Memórias de Heliópolis", que documentou parte dos avanços da região.

No site do museu, fotos e depoimentos sobre o espaço foram organizados em quatro categorias: "Bairro Educador", "Cotidiano e Vivência", "Paisagem e Território" e "Organização Social". Os arquivos são acompanhados de textos explicativos.

A imagem que abre a categoria "Cotidiano e Vivência", por exemplo, mostra um jogo de futebol em um campo de terra. A legenda do material explica o contexto da fotografia: "O antigo campo de futebol Copa Rio era um dos principais pontos de lazer da comunidade entre as décadas de 1980 e 1990".

Douglas explica que a primeira fase de desenvolvimento do museu passou pela catalogação dos materiais que estavam guardados na sede da associação nos mais diferentes suportes, como disquetes do início dos anos 2000.

Uma segunda etapa do trabalho ainda está em processo e envolve a construção de uma linha do tempo no site, para facilitar a compreensão das mudanças da comunidade ao longo do espaço-tempo. A expectativa é terminar a segunda fase até o fim deste ano, quando termina também a parceria com a UFABC.

Para o coordenador, uma das funções do projeto é ser uma fonte de pesquisa para quem é de fora da favela. "[Vai se tornar] uma fonte de estudos tanto para as escolas do entorno quanto para projetos sociais e para a própria academia, as universidades. Uma história narrada pelos próprios moradores", conta.

Três estudantes da UFABC trabalham atualmente no projeto, que inclui também dois professores da universidade, além dos membros da Unas. A associação começou neste semestre a treinar jovens da comunidade que fazem parte do Observatório De Olho na Quebrada, grupo de pesquisa de Heliópolis, para atuar no museu.

A ideia é que os moradores da favela sigam abastecendo o site com novos arquivos ao longo dos anos. Para Douglas, é importante incluir as futuras mudanças do bairro no site. "Essa história mais recente é um desafio", afirma, citando como exemplo o impacto da pandemia de Covid-19.

Os custos de hospedagem do site são mantidos pela Unas. Para a presidente da associação, Antônia Cleide Alves, 57, o museu tem um papel fundamental de refletir sobre a importância dos moradores na favela. "É nesse sentido que a gente pensa esse museu, para ele servir como identidade, como raiz", explica.

Em 1972, a família de Cleide foi uma das primeiras a ocupar Heliópolis depois de ser enviada para o terreno pela Prefeitura de São Paulo, que tinha removido os habitantes da Favela da Vila Prudente. Anos depois, ela entrou no movimento de luta por moradia ao lado de outros moradores do local e conseguiu a casa durante um mutirão.

Hoje uma das principais lideranças da comunidade, Cleide afirma que preservar a história do bairro é preservar também a história das pessoas. "Um povo que não tem história, não tem memória", finaliza.

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