Lula precisará evitar ponto de não retorno do desmatamento

Além da Amazônia, país terá que cuidar de biomas que não recebem atenção internacional, como o cerrado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá seu terceiro mandato em um país mais vulnerável às mudanças climáticas, com a maior floresta tropical do mundo à beira do ponto de não retorno e ainda sob crescente pressão internacional para que a produção agropecuária não exporte desmatamento.

O resultado deste mandato definirá a capacidade de o Brasil responder ao desafio climático, cujo prazo dado pela ciência é o final desta década.

Balsas carregando toras de madeira são vistas no rio Arapiuns, afluente do rio Tapajós - Pedro Ladeira - 31 ago.22/Folhapress

É preciso cortar as emissões de gases-estufa pela metade até 2030, segundo o painel do clima da ONU. O desmatamento não é só o principal vetor de emissões do Brasil, como também uma espécie de termômetro derradeiro para o restante do mundo.

Caso o Brasil falhe em zerar o desmatamento da Amazônia nesta década —a meta é parte da contribuição brasileira no Acordo de Paris e também consta entre os compromissos de campanha de Lula—, será menos provável que o mundo consiga frear o aquecimento global. Isso porque a destruição da Amazônia figura entre os nove principais pontos de inflexão do clima no planeta.

O desmate além do ponto de não retorno —estimado entre 20% a 25% de perda de vegetação, segundo o climatologista da USP Carlos Nobre— representaria um abismo, a partir do qual o bioma não consegue mais gerar chuvas e se regenerar.

Estados Unidos e China já deram sinais de que avaliam se inspirar na recente legislação europeia que proíbe a importação de commodities ligadas a desmatamento.

Por outro lado, o fundo escandinavo Nordea —que em 2019 havia colocado em quarentena novos investimentos em títulos do governo brasileiro, por conta das queimadas na Amazônia— já avalia como possível a retomada das aquisições, com a mudança de compromisso ambiental do governo brasileiro.

Diante do cenário internacional, o Ministério do Meio Ambiente continuará sendo cobrado pelas taxas de desmatamento da Amazônia. Agora, mais do que reduzir o desmate, o novo governo terá o desafio de reverter seu patamar, que vinha em uma média de 7 mil km² nos anos anteriores a 2019 e saltou para mais de 13 mil km² em 2021.

Para zerar o desmate até o fim da década, a inversão do sinal político precisa ser imediata. Com essa estratégia em mente, a iniciativa Concertação pela Amazônia propõe um conjunto de 14 medidas que o presidente eleito poderia tomar ainda nos primeiros cem dias de governo.

Entre elas, está a criação de uma secretaria de emergência climática, ligada à Presidência da República. Outras sugestões da iniciativa tratam de pequenos impulsos que poderiam ter efeito dominó em agendas como ordenamento territorial e licenciamento ambiental, que são temas de "boiadas" no Congresso.

A bancada antiambiental aumentou, segundo o Farol Verde, passando dos atuais 37% dos votos da Câmara para 42,6% na próxima legislatura.

Agora representados no Congresso, os apoiadores e executores da política antiambiental de Jair Bolsonaro (PL) podem frear avanços e propor outros retrocessos na legislação ambiental, como novas flexibilizações no Código Florestal. Por prever o cadastro e a regularização ambiental dos imóveis rurais, a lei é uma das medidas consideradas cruciais para reduzir 89% do desmatamento na Amazônia, segundo estudo da Universidade de Oxford e do Inpe.

Apesar da pauta imposta pela geopolítica global, o país também precisa encontrar razões próprias para implementar políticas climáticas. Biomas que não recebem atenção internacional —como o cerrado, o Pantanal, a caatinga e a mata atlântica— são fundamentais para os brasileiros, por concentrarem serviços ambientais fundamentais à vida, como a provisão de água (que também fica ameaçada pelo clima).

A região da América do Sul, segundo o relatório do painel do clima da ONU lançado no último março, ainda tem grandes chances de efetividade e até cobenefícios ao implementar adaptações climáticas para os sistemas de energia e de irrigação e manejo de água, com impactos residuais ainda pequenos.

Em um cenário mais quente, essas medidas perdem efetividade, indicando a necessidade de planejamento e ações imediatas.

A adaptação climática também implica uma revisão sobre as grandes hidrelétricas na Amazônia - que marcou negativamente a gestão ambiental do PT devido aos impactos socioambientais da usina de Belo Monte, no Pará.

O modelo —que continua sendo defendido pela equipe de Lula— deve se tornar ainda mais inviável à medida que as mudanças climáticas alteram os padrões de chuva e de vazão dos rios, diminuindo a segurança e perenidade da fonte hidrelétrica.

Lula retorna ao Palácio do Planalto com o discurso ambiental atualizado, mas com desafios mais profundos nas negociações dentro e fora do país. "Será chave cumprir as promessas feitas, e muitos investidores estarão observando de perto", afirma Anders Schelde, um dos diretores do fundo dinamarquês Akademiker Pension.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.