Ideia é refazer o Mais Médicos sem estrangeiros, diz Humberto Costa

Equipe técnica de Lula discute ampliar uso da rede privada para acabar com fila do SUS e quer plano emergencial contra falta de medicamento

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Brasília

O senador Humberto Costa (PT), que está entre os coordenadores do grupo temático da saúde no governo de transição, disse que está em discussão retomar o programa Mais Médicos, criado em 2013 na gestão Dilma Rousseff (PT), sem utilizar profissionais no exterior para suprir a demanda de regiões menos assistidas.

"Você tem hoje uma formação maior de médicos no Brasil do que havia antigamente", justificou. "Tem muito médico cubano que ficou e não está exercendo a profissão, tem que ver se há uma solução para isso. Tem muito médico brasileiro que fez curso lá fora e não revalidou o diploma."

O ex-ministro da Saúde do agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ainda que a equipe de transição estuda o uso da rede privada para acabar com a fila do SUS (Sistema Único de Saúde) —promessa de campanha do petista.

O senador Humberto Costa, que participa da transição como coordenador da área temática da saúde - Mathilde Missioneiro - 24.out.2022/Folhapress

Apesar de a fila do SUS ser um gargalo há anos, ela sofreu impacto com a chegada da Covid-19, que afetou a realização de procedimentos em várias áreas. Como a Folha mostrou, houve a diminuição de mais de 900 milhões de atendimentos e ações em um ano e meio de pandemia.

Costa disse ainda que a recomposição orçamentária do SUS, afetada pelo teto de gastos, a recuperação das taxas de vacinação do PNI (Programa Nacional de Imunizações) e a ampliação do uso da telessaúde também farão parte das prioridades.

Além do senador, fazem parte do grupo de transição os médicos Alexandre Padilha, ministro da Saúde no primeiro governo Dilma, entre 2011 e 2014; José Gomes Temporão, ministro da Saúde no segundo mandato de Lula; e Arthur Chioro, também ministro de Dilma entre 2014 e 2015.

Quais serão as prioridades da equipe técnica da saúde? A primeira prioridade é a recomposição orçamentária. Por conta da PEC do Teto de Gastos [de 2016], a gente tem hoje uma defasagem de aproximadamente R$ 22 bilhões do que deveria ser o orçamento da saúde para 2023. Tirando isso, nossa prioridade é garantir o abastecimento de medicamentos, vacinas e insumos do SUS.

Como está o desabastecimento? Estamos correndo um risco grande de desabastecimento generalizado. Quem entrar em janeiro para assumir o ministério precisa de ações emergenciais para viabilizar isso. Na transição nós vamos ter que abrir caminhos para fazer pré-negociações e um levantamento de onde comprar esses remédios e essas vacinas. Vamos tentar negociar para depois formalizar do ponto de vista legal.

Quais são as outras prioridades? Pretendemos iniciar um trabalho forte para recuperar o PNI, que já foi o melhor do mundo. Hoje nós estamos na iminência de ter doenças já erradicadas ressurgindo por conta da baixa cobertura vacinal, como é o caso da poliomielite. Trazer a cobertura vacinal para números aceitáveis no curto espaço de tempo requer campanha de publicidade, utilização de personalidades de peso na área da saúde. Não posso falar por outra área, mas provavelmente retomar os condicionantes para o recebimento do programa Bolsa Família, como a carteira de vacinação atualizada e cumprimento do pré-natal para as gestantes.

Outro ponto importante é começar a fazer os primeiros investimentos na questão da digitalização do SUS [telessaúde]. Há também a prioridade de realizar um mutirão para diminuir a demanda reprimida de procedimentos por conta da pandemia. A ideia é organizar os estados e os municípios para fazer uma redução dessa fila, inclusive comprar serviços privados.

Já tem um diagnóstico dessa fila? Não há, assim como também não sabemos exatamente como está o desabastecimento. Nós estamos falando com base em informações de governos estaduais, municipais, da população, das sociedades médicas. A Farmácia Popular estaria um pouco nessa questão de desabastecimento de medicamentos. A ideia é recompor o recurso e, pelo que eu tenho visto o presidente falar, é ampliar a oferta. Hoje há disponível a insulina, mas existem novos modelos que controlam melhor e são mais modernas.

Pode ser uma ampliação via modernização? Pode ser modernização, pode ser a ampliação de outros medicamentos, pode ser também a ampliação do leque das doenças [atendidas].

O sr. falou em usar serviços privados para zerar a fila do SUS, mas o que mudaria tendo em vista que o governo já faz esse uso? Hoje você tem os serviços que são credenciados pelo SUS, Santas Casas, instituições privadas. Há uma larga margem de serviços privados em lugares até ociosos em que pode haver um chamamento para entrar nesse mutirão. Obviamente que serão discutidos valores, formas legais de se fazer.

A ampliação da compra dos serviços privados seria no início do governo ou em toda a gestão? Inicialmente é para enfrentar essa demanda reprimida, esse mutirão. Eu sempre fui defensor da ideia de o SUS poder comprar ou trocar serviços com a iniciativa privada onde há ociosidade. Por exemplo, o SUS tem um problema grave de atendimento especializado, consulta, exame. Em contrapartida, tem lugar [privado] em que há plano de saúde, hospital ocioso para consulta, exame.

Há também a ideia de criar o Mais Especialistas. O que seria isso? É você ampliar oferta de serviços especializados. Quais são as principais causas de morte hoje no Brasil? É doença cardiovascular, é câncer e depois vem as chamadas causas externas. Hoje você pode levar um ano para ter uma consulta com especialista de câncer. A ideia seria fazer chamamentos públicos.

Hoje uma parte considerável do orçamento da saúde está reservado para emendas de relator. Como trabalhar isso? Acho que a solução do orçamento secreto deve ser global. A ideia é que isso deixe de existir. Não pode o Executivo abdicar da execução orçamentária, entregar para o Congresso Nacional. Se o Supremo [Tribunal Federal] disser que o orçamento secreto é inconstitucional, esse recurso vai voltar para o orçamento de cada ministério, que vai aplicar de acordo com os seus planos.

E o piso da enfermagem? O governo está no compromisso de garantir, entraria num contexto de vários recursos que precisam ser resolvidos pelo governo. A ideia é que o valor atenda o orçamento da saúde, mas a fonte de pagamento seria outra.

O sr. falou de telessaúde. Qual o melhor modelo? Tem um projeto de lei que faz várias previsões. A primeira é que, se for do desejo do médico ou do paciente o atendimento por telessaúde, ele vai ser feito. Há determinadas coisas que você mesmo pode fazer, há outras que o melhor é a realização dentro da unidade de saúde, por exemplo. Uma consulta especializada é importante que seja feita dentro de uma unidade básica de saúde com a ajuda de um enfermeiro que vai receber a recomendação do médico que estará atendendo via telessaúde.

O programa Mais Médicos vai voltar no início do governo? A gente não tem nada aprofundado, o importante é viabilizar a oferta de médicos nas regiões onde há vazios assistenciais. A ideia é refazer o programa. A intenção, a princípio, não é trazer médicos do exterior. Você tem hoje uma formação maior de médicos no Brasil do que havia antigamente.

Haveria possibilidade de vir médicos de outros países apesar de não ser a prioridade? A princípio, não. Tem muito médico cubano que ficou e não está exercendo a profissão, tem que ver se há uma solução para isso. Tem muito médico brasileiro que fez curso lá fora e não revalidou o diploma. Teria algum estímulo para revalidar? Há várias alternativas, não há nada definido.

Haverá algum olhar especial para a Covid? Primeiro complementar a vacinação, segundo atender os sequelados e terceiro estudar a própria Covid porque tem sequelas que a gente nem sabe.

RAIO-X

Humberto Costa, 65, é senador por Pernambuco. Médico e jornalista, foi o primeiro ministro da Saúde do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Ele foi responsável pela criação de programas como o Samu 192 e a Farmácia Popular.

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