Baía de Guanabara tem praia limpa pela primeira vez

Trecho da ilha de Paquetá ficou próprio para banho em todas as medições de abril a outubro, o que nunca ocorreu desde 2016

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Pescador joga rede de pesca no mar, ao lado de duas canoas azuis

Pescadores na ilha de Paquetá, na zona norte do Rio, que registrou praia limpa pela primeira vez desde 2016 Rafael Catarcione - 16.mai.21/ Riotur

Rio de Janeiro

Pela primeira vez desde 2016, uma praia banhada pela baía de Guanabara foi considerada boa. A praia da Ribeira, situada na tranquila ilha de Paquetá, zona norte do Rio de Janeiro, ficou própria para banho durante todo o período de abril a outubro deste ano.

É uma raridade para uma região que não teve nenhum de seus 25 pontos de coleta classificados como limpos, segundo dados do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), desde quando o levantamento de balneabilidade do litoral brasileiro começou a ser feito pela Folha.

Com seus 3.530 habitantes e bicicletas, Paquetá povoa o centro da baía a cerca de 15 quilômetros do centro da capital, do qual destoa. Vive basicamente de turismo e pesca, apesar da péssima qualidade do mar registrada há décadas.

Chama atenção também a praia de Guanabara, na Ilha do Governador, que ficou regular (própria em até 75% das medições) de maneira inédita. Isso não acontecia desde 2018 na região, que ficou sem medições em 2020, 2021 e nos três primeiros meses de 2022 por causa da pandemia.

A melhora acontece depois da venda da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) e da concessão dos serviços de saneamento de 27 cidades fluminenses à empresa Águas do Rio no final de 2021, seguindo o novo marco regulatório do setor.

A companhia, que promete despoluir a baía de Guanabara em cinco anos, atribui a limpeza da praia da Ribeira a uma ação que interrompeu o derramamento ilegal de seis piscinas olímpicas de esgoto por mês no mar.

Cita ainda melhorias na estação de tratamento e nas quatro estações elevatórias de Paquetá, que ajudam a bombear os efluentes que tenham dificuldade de passar pelas tubulações, assim como reformas e a automação do sistema na Ilha do Governador.

A geografia também ajuda. Paquetá fica num canal central profundo da baía, que favorece a troca de água com o mar, diluindo a sujeira. "Tem momentos em que, por condições ambientais atípicas, ocorre uma troca violenta com a região oceânica", diz o biólogo e ativista Mário Moscatelli.

É por isso que, há 20 anos, ele sobrevoa a região na maré baixa para o seu projeto Olho Verde. "A maré baixa não mente", explica. Nos últimos dois sobrevoos, em junho e novembro deste ano, ele conta ter visto o mar de Botafogo, geralmente um esgoto a céu aberto, ficar cristalino.

"Quase um evento histórico", afirma o especialista em gerenciamento costeiro. A praia com vista para o Pão de Açúcar, na entrada da baía de Guanabara, ficou própria para banho em duas medições seguidas em julho, resultado raro nos últimos 15 anos de monitoramento, apesar de ainda ser considerada péssima.

Os principais motivos foram a ausência de chuvas na época e a limpeza do chamado interceptor oceânico, responsável por captar o esgoto de grande parte da zona sul. Foram retiradas mais de 600 toneladas de resíduos, incluindo dois patinetes e um vaso sanitário.

Com isso, o sistema pôde receber mais efluentes, que foram desviados para o emissário submarino de Ipanema —responsável por despejar todo esse dejeto em alto mar para que o oceano o dilua naturalmente.

"Resolveu o problema? Não, só está evitando que esgoto gerado dentro dos rios seja despejado na baía, mas esses rios continuam sendo valões de esgoto. A expectativa é que eles voltem a ser rios", espera Moscatelli.

O plano da concessionária é construir emergencialmente, nos próximos cinco anos, um cinturão de coletores de esgoto ao redor da baía de Guanabara "no mesmo modelo adotado com sucesso nas baías de Tóquio e Sidney", que custará R$ 2,7 bilhões.

Enquanto isso, a empresa prevê gastar mais R$ 10 bilhões na implantação dos sistemas de esgotamento sanitário nos oito municípios limítrofes da baía até 2033, prazo previsto em contrato para a universalização dos serviços.

A qualidade das praias do Rio de Janeiro como um todo continua muito abaixo das outras capitais litorâneas, mas neste ano houve uma melhora: 14% dos pontos de coleta foram considerados bons, marca superior à média de 8% registrada entre 2016 e 2019 (sem contar os anos de pandemia).

A soma dos trechos ruins e péssimos da cidade, impróprios para banho em mais de 25% das medições, também diminuiu de 61% para 58% na mesma comparação. Além das praias de Paquetá e Ilha do Governador já citadas, contribuíram para a melhora trechos da zona sul.

São Conrado, próxima à favela da Rocinha, ficou regular após seis anos como péssima ou ruim. Já a praia do Diabo, ao lado da turística pedra do Arpoador, e a porção de Copacabana mais perto do Leme passaram de regular, no ano passado, para boa neste ano.

Com relação ao estado fluminense, é mais difícil fazer essa análise porque quase um terço dos pontos continua sem monitoramento, incluindo em Angra dos Reis e Paraty, que chegam ao terceiro ano sem saber a qualidade do seu mar —o Inea diz que está retomando as medições gradativamente.

"Eu trabalho na região de Angra e você vê que estão cometendo os mesmos erros da baía de Guanabara na baía de Ilha Grande, a última das baías protegidas. Áreas densamente habitadas, de baixa renda, com tratamento de esgoto ainda baixo", alerta o biólogo Moscatelli.

Ele diz ter expectativas positivas em relação às mudanças no saneamento básico, mas afirma não estar tão otimista quanto ao outro protagonista da poluição dos corpos hídricos: as políticas públicas de habitação e ordenação do uso do solo.

"A baía de Guanabara é o paciente que está na UTI quase morrendo. Ele começa a mexer o dedo do pé, da mão, abre o olho, mas continua na UTI", ilustra.

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