Descrição de chapéu Folhajus

84% dos crimes raciais em SP são registrados como injúria, mostra pesquisa

Levantamento da FGV com dados da Polícia Civil aponta que residências são os principais locais das ofensas, o que dificulta provas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A maioria das denúncias de crimes raciais no estado de São Paulo é registrada como injúria racial, e não racismo. De 2010 a 2018, foram 1.001 casos do primeiro e 192 registrados como o segundo, cuja pena era mais severa, sem a possibilidade de fiança.

Os locais onde mais ocorrem os crimes são as residências, dificultando a coleta de provas. Mulheres brancas lideram entre os autores e mulheres negras são as vítimas mais comuns.

Os dados são de um estudo do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) que reúne informações disponibilizadas pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) e pela Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), da Polícia Civil.

foto aérea que mostra, em letras brancas, frase pintada na avenida paulista. é possível ver a estrutura do masp
Manifestantes pintaram frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista (SP), em protesto pelo assassinato de Beto Freitas, em Porto Alegre - Bruno Santos - 21.nov.20/Folhapress

De acordo com os boletins de ocorrência, casos de injúria racial sempre superaram os de racismo. Mesmo em 2016, ano da série com mais registros, o primeiro crime ainda teve quatro vezes o número de registros do segundo.

A legislação define como injúria racial quando a agressão é direcionada a um único indivíduo, enquanto o racismo ocorre quando a ofensa é dirigida a uma coletividade. A punição para a injúria era mais branda que a do racismo, com pena de um a três anos e multa.

"Ou seja, apesar de o crime de racismo abarcar diversas situações, na prática, ambos os crimes ganham materialidade a partir da ofensa proferida pelo autor e diferenciam-se apenas pela forma como as ofensas são proferidas", diz o texto da pesquisa.

Na última quarta (11), um decreto o presidente Lula sancionou uma lei, aprovada pelo Congresso no ano passado, que equipara os dois crimes, aumentando a pena de injúria para de dois a cinco anos de prisão. O crime também passa a ser inafiançável e imprescritível, como já ocorria com o racismo.

Apesar do volume de registros, nem todos os casos resultam em investigação. Para os pesquisadores, o baixo número de inquéritos pode refletir a dificuldade da polícia e do Judiciário de considerar o racismo como motivador de uma demanda jurídica.

Segundo Luã Ferreira, pesquisador do núcleo da FGV Direito SP, a forma de enfrentamento desses crimes, com a predominância dos de injúria, pode ter relação com a história do racismo no Brasil.

"O maior obstáculo é justamente o que os dados apontam, temos um racismo que foi historicamente legitimado a nível de política governamental, que é essa crença da harmonia entre as raças, o mito da democracia racial", afirma.

Entre os autores dos crimes, mulheres brancas lideram (316), seguidas por homens brancos (277), homens negros (112) e mulheres negras (93).

As mulheres negras lideram entre as vítimas (339), seguidas por homens negros (301), homens brancos (163) e mulheres brancas (88).

Ferreira explica que as delegacias também registram injúria racial contra pessoas brancas por motivos como a intolerância a religiões de matrizes africanas e ódio direcionado a um grupo, como judeus.

O estudo aponta ainda que crimes ocorrem com mais frequência em residências, com 358 ocorrências para injúria racial e 53 para racismo.

Os outros locais mais frequentes em injúria racial seguem com via pública (129), comércio e serviços (104), condomínio residencial (74), que é separado pela polícia das residências, e estabelecimentos de ensino (69).

Em relação ao racismo, além de residências, os outros locais com mais registros são comércio e serviços (30), estabelecimentos de ensino (23), condomínios residenciais (14) e vias públicas (14).

Para o pesquisador, a recente mudança na legislação, tornando a punição para a injúria mais rigorosa, é um avanço. "Não é mais um crime que prescreve, a pena é maior e é inafiançável também. É uma conquista importante e é uma mudança em termos formais", diz Ferreira.

Mas ele aponta, por outro lado, o entendimento, no Judiciário, de que as provas testemunhais são frágeis e que é preciso lidar com o tema em outras instâncias.

"É uma instituição específica para tentar combater um problema que, na verdade, é estrutural", afirma.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.