Equiparação entre racismo e injúria racial traz mensagem contra impunidade, diz especialista

Pesquisadores dizem que mudança aprovada no Congresso e sancionada por Lula dribla resistência do Judiciário em punir ofensas

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São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei que equipara injúria racial ao crime de racismo na última quarta-feira (11). A proposta havia sido aprovada pelo Senado em maio de 2022. Com a mudança, a pena sobe de dois a cinco anos de prisão (antes era de um a três anos) e o crime passa a ser inafiançável e imprescritível.

A legislação define como racismo quando a ofensa é dirigida a uma coletividade, enquanto a injúria racial ocorre quando a agressão é direcionada a um único indivíduo. O racismo não prevê fiança, ao contrário do que era antes previsto na lei de injúria.

Para advogados ouvidos pela Folha, a medida é positiva, demonstra avanços na luta antirracista e também corrige questões históricas.

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Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista, em São Paulo, em prostesto pelo assassinato de Beto Freitas, em Porto Alegre - Bruno Santos - 21.nov.2020/Folhapress

Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP e advogado da Educafro, lembra que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já haviam equiparado os dois tipos de crime, em 2020 e 2021 respectivamente.

Na ocasião, os ministros analisaram a situação de uma idosa de Brasília que foi condenada em 2013 por ter ofendido uma frentista de posto de gasolina. "Negrinha nojenta, ignorante e atrevida", disse na ocasião.

A mulher, por sua vez, pediu ao Judiciário que não fosse punida sob o argumento de que o Judiciário demorou muito para analisar seus recursos. O STF, porém, rejeitou o pedido dos advogados da condenada.

Na visão de Santana, ao que a mudança na lei traz é reconhecer a questão para toda a sociedade e não apenas para processos específicos. "A mudança também vai estimular o combate mais específico desse tipo de ofensa. Sabemos que com o celular é possível filmar alguém que está sendo racista com você. A partir daí, a punição já começa na delegacia."

Para a advogada Amanda Pimentel, do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), mesmo que antes do entendimento do STF, existia uma resistência de juízes brasileiros em considerar atos de injúria racial como racismo.

Ela analisa que essa situação acontecia porque muitos não reconheciam a importância em se punir racismo, quanto por achar que se tratavam de casos de menor importância. Quando tipificado como injúria, havia um caminho mais fácil, explica, pelo fato de a pena ser menor e haver fiança, por exemplo.

"O grande avanço dessa lei ter sido promulgada é que não dá mais margem para que juízes entenderem que aquilo não é racismo, tanto quando se trata de condutas individuais quanto coletivas", diz Pimentel.

Presidente da Comissão de Igualdade Racial do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), Humberto Adami concorda que mudança vem de uma necessidade que há muito tempo se identificava em meios jurídicos. Porém, afirma que a nova legislação precisa de adequações.

"Como é que isso vai acontecer no dia a dia das delegacias?", indaga ele, que afirma que talvez fosse mais efetivo à sociedade uma pena intermediária, como a prestação de serviço somado a penas pecuniárias.

Adami diz temer que a lei seja ignorada. "Não seria a primeira vez que isso aconteceria. O sistema judiciário brasileiro já vem fazendo corpo mole com uma repressão aos crimes raciais."

Para Santana, caso haja prevaricação das autoridades em relação à lei, existem caminhos. Por exemplo, caso o delegado não cumpra uma prisão em flagrante, é possível entrar com ação na Corregedoria ou no Ministério Público.

"Não fica a cargo apenas de uma pessoa, mas de um sistema inteiro", diz.

Segundo ele, a nova lei, com a punição mais dura, traz uma mensagem a futuros infratores: "É como se dissesse que ele pode não sair ileso como ocorreu em outros casos no passado. Isso é importante para coibir a prática dos crimes."

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