Descrição de chapéu Rio de Janeiro Chuvas

Foco da tragédia de Petrópolis segue coberto por escombros 1 ano depois

Cidade continua sem previsão de moradias e com problemas no auxílio aluguel após chuvas que deixaram 235 mortos e 2 desaparecidos

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Vista aérea de morro com deslizamento coberto por mato

Vista do Morro da Oficina, lugar mais atingido pelas chuvas que deixaram 235 mortos e 2 desaparecidos em Petrópolis (RJ) um ano atrás Eduardo Anizelli - 2.fev.2023/Folhapress

Petrópolis (RJ)

Não se sabe mais o que é concreto, roupa, terra ou mato. As escadas e rampas que levavam até as casas mais altas do Morro da Oficina agora viraram uma trilha tortuosa e repleta de escombros, que permanecem intocados há exatamente um ano.

"Não limparam nada", critica a educadora Margareth Pereira, 42, enquanto pula de uma pedra a outra para chegar ao seu sobrado. Ela teve que deixar o imóvel no dia 15 de fevereiro de 2022, quando uma avalanche de água e lama varreu dezenas de casas e matou famílias inteiras a poucos metros de sua sala.

A cidade de Petrópolis, na serra do Rio de Janeiro, contou 235 mortos naquela tarde, grande parte deles nesse morro. Outras duas pessoas seguem desaparecidas: Lucas Rufino da Silva, 20, que um tio afirma ter retirado dos destroços, mas nunca chegou ao IML, e Heitor Carlos dos Santos, 61, que voltava do centro num ônibus.

Mulher olha para o horizonte em frente a varanda com matagal ao fundo
A educadora Margareth Pereira, 42, que teve que sair de sua casa inteira reformada após o deslizamento no Morro da Oficina, ao fundo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Até hoje, mais de 3.300 famílias que tiveram que deixar suas moradias dependem de um auxílio público de R$ 1.000, que geralmente não cobre o valor inflacionado dos aluguéis após a tragédia, sem nenhuma previsão para a construção de novas habitações.

Algumas delas foram também cortadas do benefício em meio a um desentendimento entre a prefeitura de Rubens Bomtempo (PSB) e o governo de Cláudio Castro (PL) sobre as regras do pagamento, que está sendo investigado pelo Ministério Público estadual em inquérito civil.

Mas há ainda os que nem chegaram a ver esse dinheiro, que exigia um contrato de locação assinado. Cristiane, 56, diz ter ligado para mais de 150 anúncios, mas ninguém aceitou. Desempregada, com três pontes de safena no coração e vivendo de outros auxílios, ela voltou ao seu pequeno imóvel dois meses após o desastre, por isso pediu que seu nome fosse trocado nesta reportagem. Se saísse dali, afirma, suas despesas triplicariam.

As roupas penduradas nos varais sugerem que Cristiane não é a única nessa situação, mas é minoria. Isso porque o cenário no entorno é de terra arrasada, com casas que, se não estão completamente destruídas ou rachadas, estão inabitáveis pela falta de luz e água.

A Prefeitura de Petrópolis –que não informa quantas pessoas aguardam por moradia na cidade nem quantas ainda vivem em áreas de risco– diz que as 48 obras concluídas no último ano "tiveram como foco o restabelecimento da cidade, devolvendo a mobilidade nos principais corredores e vias".

"Vencida essa etapa, o foco agora está nos principais pontos dos desastres do início do ano: Morro da Oficina e Vila Felipe. Para lá, as intervenções serão de grande porte", afirma a gestão do prefeito Bomtempo ao ser questionada sobre a demora.

Um programa apelidado de "Recomeço Seguro" foi apresentado aos moradores há duas semanas. Uma parte das casas que ficaram em pé será destruída, e seus donos, indenizados para a construção de grandes estruturas de contenção como barreiras dinâmicas, cortinas atirantadas e muros de gabião.

O valor da indenização, estipulado em R$ 1.000 a R$ 1.700 por metro quadrado, dependendo do padrão da casa, é alvo de críticas da comunidade.

"Gastei uns R$ 500 mil aqui. Mais de 15 anos construindo e vai tudo pro chão", diz a educadora Margareth com a voz embargada ao finalmente alcançar seu sobrado. Ela mostra os corrimões de madeira, as paredes novinhas cor de salmão e a churrasqueira com vista para o deslizamento.

É o mesmo cenário vivido pelo motorista Ricardo Domingos, 44, e pela gari Maria da Conceição, 38, que vivem com três filhos e dois salários mínimos. "Agora você não acha mais casa com aquele conforto. Hoje vivemos em condições precárias", diz Maria.

Mulher e homem aparecem no vão de uma porta
Maria da Conceição, 38, e Ricardo Domingos, 44, em sua casa, que foi interditada após deslizamentos no Morro da Oficina - Eduardo Anizelli/Folhapress

Da janela ela viu a casa de sua mãe ser engolida pela fumaça dos deslizamentos. Sebastiana Borges, 58, havia saído de casa meia hora antes. Agora, está decidindo qual eletrodoméstico vai ter que vender para pagar o próximo mês de aluguel.

A auxiliar de serviços gerais foi uma das 268 pessoas cortadas do benefício em janeiro, em sua maioria servidores municipais. Os moradores reclamam que o corte ocorreu porque eles receberam 13º salário e férias, o que teria feito a remuneração ultrapassar o limite de três salários mínimos mensais para receber o auxílio.

A gestão de Cláudio Castro —responsável por pagar R$ 800 dos R$ 1.000 de aluguel social—, porém, nega e diz que a suspensão ocorreu após um "pente-fino" do governo e do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Segundo a gestão, auditorias apontaram que parte dessas famílias tinha renda superior ao limite mesmo sem benefícios ou não apresentou o contrato de aluguel. "Caso se comprove o contrário, o benefício será restabelecido", diz.

Mato tomou conta dos escombros, que continuam intocados no Morro da Oficina, em Petrópolis, após um ano da tragédia - Eduardo Anizelli/Folhapress

Já a prefeitura, encarregada dos R$ 200 restantes, não respondeu sobre o corte. A confusão ocorre principalmente porque município e estado não chegaram a um acordo sobre a faixa de renda das famílias elegíveis para o pagamento.

Enquanto a cidade de Petrópolis considera o limite de cinco salários (hoje em R$ 6.510), seguindo a legislação estadual geral, o governo afirma que ele é de três salários (R$ 3.906), de acordo com uma resolução publicada por Castro especificamente para a tragédia.

Além desses problemas, as famílias vivem sem saber até quando vão receber o aluguel social. Devem depender do auxílio por um bom tempo, já que as perspectivas para a construção de novas moradias são mínimas.

O governo do estado diz possuir três terrenos onde serão feitas 350 unidades, mas os projetos ainda estão em fase de elaboração, não têm prazo de entrega e supririam apenas uma pequena parte da demanda.

A prefeitura, quando questionada, não dá qualquer estimativa, citando apenas uma reunião com o Ministério das Cidades de Lula (PT) no fim de janeiro. "O presidente Lula já me alertou sobre a preocupação com Petrópolis", disse o ministro Jader Filho após o encontro.

Pensando em evitar novas tragédias na cidade, o marceneiro Leandro da Rocha, 49, resolveu fundar um instituto com o nome do filho, Gabriel, levado pela enxurrada aos 17 anos após ajudar desconhecidos a saírem pela janela de um ônibus.

Pretende promover cursos de prevenção, primeiros socorros e resgate na instituição, que será inaugurada nesta quarta (15). "Gabriel me deixou um exemplo de amor ao próximo. Me agarrei a isso para continuar a vida", diz.

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