Descrição de chapéu yanomami

Fuga de garimpeiros da terra yanomami tem dias na mata, longos percursos de barco e trecho a pé

Invasores deixam território carregando o básico, como rede de dormir; governo iniciou operações para tentar desmontar o garimpo

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Garimpeiros em fuga da Terra Indígena Yanomami caminham carregando pertences por estrada que liga o porto do Arame no rio Uraricoera à vila Reislândia, em Alto Alegre (RR) Lalo de Almeida/Folhapress

Alto Alegre (RR) e Boa Vista

Para quem não consegue escapar pelo ar, a fuga da Terra Indígena Yanomami envolve caminhadas por dias na floresta, percursos em barcos ao longo do rio Uraricoera —que podem durar entre um e dois dias— e caminhadas por terra, mais precisamente por 30 km de uma estrada vicinal que conecta uma vila e um portinho usados como bases logísticas para o garimpo ilegal.

A reportagem da Folha esteve em dois portinhos clandestinos e constatou o movimento de fuga feito por garimpeiros que invadiram a terra indígena, após o início da asfixia das atividades de garimpo ilegal.

O governo Lula (PT) deu início às operações e retirar os mais de 20 mil garimpeiros que invadiram o território ao longo dos últimos anos. As ações couberam ao Ibama (instituto ambiental), com suporte da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Força Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Agentes do Ibama estiveram na terra indígena na segunda (6) e na terça-feira (7). Eles destruíram um helicóptero, um avião, um trator e estruturas que garantiam a logística de uma área de garimpo. Houve ainda apreensão de duas armas e três barcos com cerca de 5.000 litros de combustível.

Como parte do início da operação uma base de controle foi instalada num trecho do rio Uraricoera, um dos principais cursos d’água usados para acesso dos invasores às áreas de exploração de ouro e cassiterita.

Esse rio vem sendo usado também como rota de fuga de garimpeiros, desde o início do controle do espaço aéreo pela FAB (Força Aérea Brasileira), no último dia 1º, com restrição de voos no território. E, desde o dia 20, ações de emergência em saúde estão em curso, com equipes deslocadas para as regiões de Surucucu e Auaris.

Todos esses fatores provocaram um movimento de fuga de garimpeiros, que se viram diante de preços inflacionados de voos clandestinos, operados por outros garimpeiros.

O preço para um deslocamento pode chegar a R$ 15 mil, e invasores mais pobres se veem sem condição de pagar. Pilotos cobram ainda em ouro. Uma viagem individual não sai por menos de 15 gramas de ouro –R$ 280 por grama na cotação dos garimpeiros ilegais, R$ 4.200 no total.

Há relatos de pistas de pouso clandestinas interditadas pelos próprios garimpeiros, como forma de protesto, e de invasores ilhados na floresta, sem condição de deixarem a região.

Por isso, grupos de garimpeiros têm feito o caminho de volta pela mata, pela água e por terra.

O porto do Arame, como é conhecido, é um dos pontos de chegada de garimpeiros, muitos deles com famílias, incluídas crianças.

O entreposto no rio Uraricoera só é acessado por uma estrada vicinal em péssimo estado de conservação —e assim mantida para evitar a aproximação de policiais.

Para percorrer os 30 km entre a vila Reislândia (ou vila do Paredão, como é mais conhecida) e o portinho, são necessárias três horas num carro com tração 4 x 4 e pneus adaptados para a lama. A vila pertence ao município de Alto Alegre (RR), que fica a 85 km da capital Boa Vista.

Família que deixou garimpo na terra yanomami aguarda transporte na estrada que liga o porto do Arame à vila Reislândia, em Alto Alegre (RR) - Lalo de Almeida/Folhapress

Garimpeiros estão chegando ao portinho depois de dias de caminhada na mata e de um ou dois dias descendo o rio em barcos grandes, de 12 metros de comprimento.

Muitos desses garimpeiros carregam apenas uma rede de dormir e um terçado. Outros levam malas nos ombros e galões usados para guardar mantimentos. Esses galões servem também como boia, caso ocorra algum acidente com o barco. Uma parte retorna da área de garimpo portando gramas de ouro.

No portinho, donos de veículos adaptados aguardam clientes para a travessia dos 30 km até a vila. O lugar no carro é negociado por um valor entre R$ 250 e R$ 500. Muitos não podem pagar e fazem o percurso a pé.

Num posto de gasolina na vila, cerca de 30 carros comuns aguardam a chegada dos garimpeiros, para o transporte até o destino final —que, para grande parte, é Boa Vista.

O movimento é maior no fim de tarde e início de noite, como forma de driblar eventual fiscalização nas estradas. Os garimpeiros querem manter o ouro que ainda conseguem levar da terra yanomami.

A reportagem constatou que uma parcela expressiva de invasores em fuga é de homens idosos. Alguns diziam ter malária —doença que, segundo relatório elaborado pelo Ministério da Saúde e obtido pela Folha, dobrou durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) na área indígena.

O portinho deixado para trás já tem um aspecto de coisa abandonada, com botas e galões espalhados, carcaças de barracas de apoio desmontadas, muita sujeira e carros queimados —a queima teria ocorrido em operações passadas do Ibama.

Um segundo portinho usado pelos garimpeiros é conhecido como porto da Calcinha —uma calcinha vermelha marca a entrada do lugar. Esse entreposto tem um acesso mais fácil, e até por isso vem sendo menos usado pelos invasores, temerosos de ações policiais.

Motoristas ficam no porto aguardando garimpeiros que chegam pelo rio Uraricoera, para o transporte até os núcleos urbanos.

A presença de mais de 20 mil garimpeiros na terra yanomami, durante tanto tempo, só foi possível em razão da grande quantidade de voos clandestinos que operam no território.

Mesmo com a declaração de emergência em saúde pública, com maior presença de equipes de saúde em Auaris e Surucucu e com a atenção voltada à crise dos yanomamis, o garimpo vinha executando mais de 40 voos por dia.

O controle do espaço aéreo pela FAB se deu a partir de um decreto do presidente Lula que ampliou o poder de atuação do Ministério da Defesa e permitiu a criação da Zida (Zona de Identificação de Defesa Aérea).

Em uma área ficaram proibidas aeronaves, a não ser militares ou relacionadas à operação de emergência. Foram especificadas ainda áreas reservadas ou restritas. Radares móveis passaram a dar suporte a esse controle do espaço aéreo.

"As aeronaves que descumprirem as regras estabelecidas nas áreas determinadas pela Força Aérea estarão sujeitas às medidas de proteção do espaço aéreo", disse a Aeronáutica, em nota.

Segundo o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Tapeba, o governo conta com a saída dos garimpeiros para implantar pelo menos dois hospitais de campanha no território yanomami, um na região do Surucucu e outro no Auaris, a fim de desafogar a alta demanda de pacientes que precisam ser removidos por aviões da área indígena para Boa Vista.

"Nós acreditamos que só será possível assegurar uma universalização da saúde indígena do povo yanomami com a retirada dos garimpeiros para a das comunidades e dos nossos profissionais", declarou durante entrevista coletiva nesta terça, em que fez um balanço dos trabalhos iniciais da força-tarefa para conter a crise.

"Estamos aguardando a conclusão da reforma da pista de Surucucu para a gente tentar antecipar ou agilizar a implantação de um novo hospital de campanha naquela região. Entendemos que neste momento precisamos de no mínimo dois hospitais de campanha funcionando no território e temos clareza de que é possível fazer o tratamento de muitos desses pacientes no próprio território", disse.

Colaborou João Paulo Pires, de Boa Vista. 

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