Descrição de chapéu yanomami

Crise dos yanomamis pode ser ainda pior, diz chefe de Saúde Indígena

Garimpo e ações criminosas prejudicam chegada de autoridades a determinadas áreas

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Brasília

Dez dias após ser declarada a emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde) ainda não conseguiu acessar completamente a área. O motivo é a falta de segurança devido às ações do garimpo e do crime organizado.

O novo secretário, Weibe Tapeba, admite que só poderá ser possível chegar a determinadas localidades e verificar o cenário completo após as forças de segurança expulsarem o garimpo —e, por isso, a situação do povo pode ser ainda pior do que o que viu até agora.

"O tamanho do caos [nos surpreendeu]… E pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidades aonde nós sequer conseguimos chegar. A previsão [para alcançar essas áreas] é quando retirarem os garimpeiros", diz à Folha.

Homem usa terno e cocar
Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde - Gabriela Biló/Folhapress

Dentre os próximos passos das ações emergenciais está previsa a reativação de polos-base (unidades simples de posto de saúde instaladas nos territórios) assim que for seguro voltar a atuar, além da contratação de mais médicos.

Também estão no radar a criação de programas para recuperação ambiental, alimentar e cultural e ações voltadas a saúde de mulheres, de indígenas isolados e daqueles de recente contato. Ele sugere ainda que aeronaves de criminosos apreendidas pelas autoridades sejam destinadas a ações governamentais para a proteção dos indígenas.

Qual é o diagnóstico inicial da Sesai que vocês receberam?

A Sesai tem compromisso de coordenar, planejar e executar a principal política do Estado brasileiro nos territórios indígenas, e nós sabíamos que o governo passado teria estagnado isso. Quando chegamos aqui nos deparamos com uma situação calamitosa, uma instituição aparelhada pelo militarismo na era Bolsonaro. Resolvemos isso [com exonerações]. E [há] essa situação difícil envolvendo o território do povo yanomami. Estamos aqui tentando organizar a casa, iniciando as tratativas para nomeação dos 34 coordenadores dos distritos sanitários especiais indígenas.

Nos últimos anos, a Sesai sofreu com aparelhamento político em suas coordenações. É possível impedir que isso volte a acontecer?

Estamos discutindo para que haja um protagonismo também regional. Acredito que a maioria dos cargos será ocupado por indígenas, mas podem ter indicações de confiança da administração pública.

Qual a avaliação do sr. sobre a situação dos yanomamis? Quais medidas serão tomadas?

Sabíamos que era uma situação bem preocupante, mas não sabíamos a dimensão de como realmente estava, com pelo menos cinco polos-base de saúde fechados por conta da insegurança. Muitos profissionais foram ameaçados, coagidos, unidades de saúde foram queimadas. Colocamos muito claramente para o presidente da República e para um conjunto de ministros: só é possível assegurarmos a segurança do povo yanomami, com assistência ao povo yanomami, e tirar o povo yanomami de um projeto de genocídio que estava em curso, se, de fato, houver a remoção dos garimpeiros daquele território.

As entidades vêm, há anos, denunciando a situação dos yanomamis. Mesmo assim, esse cenário surpreendeu?

Havia vários alertas, mas o tamanho do caos… E pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidades que nós sequer conseguimos chegar. A previsão [para alcançar esses locais] é quando retirarem os garimpeiros. As duas comunidades a que eu fui, com ajuda da Força Aérea, são comunidades que estão na beira do rio e o garimpo se instalou em volta. Elas são reféns do garimpo. Tivemos que fazer uma operação para entrar com cestas de alimentos em duas comunidades, só conseguimos isso com ajuda da Força Aérea Brasileira.

Como será a articulação com outros ministérios?

O que está sendo proposto é a Justiça e o Ministério da Defesa assegurarem as condições mínimas de que as outras políticas aconteçam com segurança. O primeiro ponto é a remoção dos garimpeiros. E já tiveram medidas, como o anúncio do presidente Lula do fechamento do espaço aéreo para aeronaves particulares, que é muito importante porque impede que haja saída de minérios e chegada e saída de garimpeiros, também pelos rios.

E por parte da Sesai?

Vamos levar mais profissionais, temos um hospital de campanha e estamos tentando resolver o problema da Casai [Casa de Saúde Indígena], ambiente pensado para receber 250 pessoas, no máximo, que está com mais de 700 pessoas. Vamos ter uma chamada do Mais Médicos que vai priorizar o território yanomami.

A longo prazo, precisamos reabrir as escolas indígenas, temos que ter um plano de gestão ambiental, um plano de recuperação de áreas degradadas e reflorestamento, um plano de despoluição das águas do rio —com descontaminação de mercúrio—, um programa de segurança alimentar e um programa de etnodesenvolvimento —porque por conta dessa situação muitos indígenas ficaram sem ter como produzir [nas] roças.

É possível recuperar a forma de vida e a saúde dos yanomami? Em quanto tempo?

Acho que é. Os yanomamis já passaram por isso antes [invasões de garimpeiros], mas hoje o dano é muito maior. Vai ficar uma ferida aberta por muito tempo, os yanomamis perderam muitos integrantes. O que nós estamos fazendo é proteger uma comunidade que está totalmente vulnerável.

Há outros territórios que podem estar em situação tão grave como o yanomami?

Temos uma situação bastante difícil no Vale do Javari [onde morreram em junho o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips], mas precisamos de mais tempo para apurar. No Vale do Javari existe muita pressão do crime organizado, de piratas, há povos isolados e povos de recente contato, o acesso é muito difícil, então precisamos ter um olhar diferenciado para aquela região, para organizar alguma ação.

Veremos novos decretos de emergência na saúde em outras terras indígenas?

Acho difícil nesse momento. A situação yanomami não tem como comparar com outras regiões, mas temos situações bem graves, por exemplo o povo maxakali, em Minas Gerais, que tem um contexto de desnutrição e alcoolismo e a Sesai não tem nenhum programa específico para eles. Em Mato Grosso do Sul, há comunidades indígenas que foram despejadas, expulsas de seus territórios tradicionais e jogadas na beira da estrada, entre a via e as cercas das fazendas. Como é que você consegue realizar a assistência de saúde nessas condições? Então precisamos olhar cada contexto e abordar cada situação a partir de diagnósticos bem localizados.

O orçamento hoje é suficiente para o funcionamento da Sesai?

Nós estamos replicando o orçamento do ano de 2022 nesse ano de 2023, ou seja, é um ano de arrocho. Ao mesmo tempo, nós temos pelo menos dois estados, Piauí e Rio Grande do Norte, com população bastante significativa, em que a Sesai não atua porque não havia um planejamento anterior. Estamos fazendo um estudo para apresentar à ministra [Nísia Trindade] e tentar um incremento orçamentário.

É possível usar equipamentos do garimpo para a Sesai?

Tem muita gente que defende que, ao você destruir o maquinário apreendido pelo crime organizado, você daria uma resposta para a sociedade. Eu considero, por exemplo, que na área da saúde indígena nós temos muitos problemas com relação aos contratos de transporte aéreo. Se houver de fato essa possibilidade, viabilidade, de organizar uma frota de aeronaves apreendidas [para serem usadas por órgãos do governo], seria a melhor coisa.

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