Dona Adelina Bercelie Massucato guardou na memória até seus últimos dias a lembrança da perua azul e do envelope preto, de quando ainda era criança, que mudariam sua vida para sempre.
Filha de italianos de Veneza e caçula de seis irmãos —cinco homens—, Adelina morava com a família na roça em Itupeva (a 73 km de São Paulo), quando uma perua azul chegou à casa da família e levou sua mãe, Herminda, para nunca mais trazê-la de volta. Um ano depois, a correspondência informava que ela havia morrido de lepra (como a hanseníase era chamada na época).
A morte da mãe transformou a menina de dez anos na responsável pela casa enquanto o resto da família ia para a lida. Adelina contava sempre que tinha de subir em um banquinho para alcançar as panelas no fogão.
Aos 21 anos, casou-se —de forma arranjada, como dizem suas netas— e se mudou com o marido, José Massucato, para a vizinha Jundiaí, onde a família do noivo tinha um terreno na Vila Hortolândia. Lá fincaram raízes.
O companheiro trabalhava no matadouro da prefeitura e ela cuidava da casa, como sempre fez desde que precisou deixar a escola aos dez anos. Adelina teve quatro filhos: Nivaldo, Lourdes, Armando e Lídia, que morreu aos seis meses de meningite.
"Ela virou dona de casa a partir do momento que levaram sua mãe", diz a neta Ingrid Massucato de Souza, 24.
Um de seus irmãos, Sílvio, montou um cinema e uma padaria na Vila Hortolândia. Outro, Abel, vendia pipocas e a família não parava de crescer no bairro.
Das adversidades, Adelina herdou a fé. Católica fervorosa, não admitia carne na mesa durante a Quaresma. E nem que a criançada atacasse a ceia antes de ela puxar a reza nas noites de Natal —cozinheira de mão cheia, sua polenta fez fama na família.
Tampouco abria mão dos jogos de truco nos fins de semana e, como boa italiana, sem economizar no tom de voz para avisar que estava com o zap na mão.
Há cerca de dez anos, Adelina sofreu um AVC. Da cadeira de rodas, dava as instruções para as netas cuidarem da casa e do ponto da massa do nhoque do almoço, que precisava estar pronto até o meio-dia.
Com o pouco que aprendeu na escola na infância, e sem errar uma letra, escreveu recentemente uma carta falando que estava feliz e de seu amor por Sílvia Massucato, 50, a neta mais velha, que se tornou sua cuidadora nos últimos tempos e estava abraçada a ela no momento de sua morte. "Minha avó tinha uma história muito grande."
Adelina Bercelie Massucato morreu no último dia 27 de março aos 98 anos. Viúva, deixou três filhos, 15 netos, 25 bisnetos e seis tataranetos.
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