Descrição de chapéu Obituário Edna Correia Bulcão (1947 - 2023)

Mortes: Resgatou a tradição do Nego Fugido de Acupe (BA)

Edna Correia Bulcão era a integrante mais velha do grupo cultural do Recôncavo Baiano

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Salvador

Dona Santa, como era conhecida Edna Correia Bulcão, foi a responsável por resgatar a tradição do grupo cultural Nego Fugido, um folguedo endêmico de Acupe, distrito do município de Santo Amaro, na região do Recôncavo Baiano.

O protagonismo de Dona Santa rendeu a ela o título de madrinha do grupo formado pela comunidade quilombola para narrar, em um teatro a céu aberto, a resistência dos negros escravizados contra o sistema imposto aos cativos pela coroa portuguesa.

A partir do Nego Fugido, a cada domingo do mês de julho os moradores locais assumem a narrativa da própria história em substituição à versão de que a liberdade dos cativos fora uma concessão dos brancos, sem que tivesse havido luta por parte dos antigos escravizados.

Edna Correia Bulcão, a integrante mais velha do grupo cultural Nego Fugido do Acupe, no Recôncavo Baiano
Edna Correia Bulcão (1947-2023) - Jnascimento

Marisqueira nascida em Acupe em 10 de julho de 1947, Dona Santa era a mais antiga integrante do Nego Fugido, que, em janeiro passado, também perdeu o membro Evilazio Cruz de Souza, que interpretava o personagem do capitão-do-mato.

Conta a filha de Dona Santa, a costureira Rosilene Bulcão, 51, que a mãe foi a responsável por reavivar na comunidade a manifestação cultural, que, segundo os mais velhos, teria sido criada há dois séculos, não se sabe exatamente como nem em que data.

"Minha mãe foi criada nessa tradição desde menina. Houve um primeiro momento do grupo, que foi perdendo força com as mortes dos mais velhos", explica Bulcão. "Mas ela resistiu, correu atrás e conseguiu reorganizar o grupo com a adesão dos mais jovens."

As apresentações do Nego Fugido contêm elementos de dança, canto, declamação e música instrumental ao som de atabaques. Além do rosto pintado de carvão, outro traço marcante dos personagens é a boca vermelha de sangue, efeito obtido com o uso de papel crepom.

O folguedo retrata o drama vivido pelos negros, desde o sequestro no continente africano, o tráfico transatlântico, o trabalho forçado, a fuga para momentos de alegria, a perseguição, a captura pelos capitães-do-mato, até a passagem do chapéu para a compra da alforria.

Iniciada no candomblé, era Dona Santa a responsável pelos ritos antes das apresentações do grupo composto de 60 membros, diz a filha. Foi ela também quem introduziu a participação de crianças na encenação, segundo o doutor em artes cênicas pela USP Monilson Pinto.

"É a sucessora de Maria Generosa Louriana, Vovó Louriana, na liderança do Nego Fugido desde o início da década de 1980, exercendo o papel de madrinha nas aparições", descreveu Pinto, também natural de Acupe, na sua tese de doutorado "A Bananeira que Sangra".

Nos últimos 11 meses, Dona Santa esteve acamada na casa da filha em decorrência de diversas complicações de saúde. Além de diabética, hipertensa, sobreviveu a três AVCs (acidente vascular cerebral) num intervalo de quatro anos, relata a costureira.

Em 1º de março, uma instabilidade na taxa de glicose levou Dona Santa a ser internada, o que resultou em um diagnóstico de falência dos rins, conta a filha. No dia 13 de março, a idosa faleceu em um hospital de São Francisco do Conde, município vizinho a Santo Amaro, aos 75 anos.

Sepultada no dia seguinte no cemitério municipal de Acupe, Dona Santa deixou os filhos Rosineia, Rosilene e Reginaldo, os netos Cíntia, Simone, Sandra, Cibele e Gabriel, além dos bisnetos Cecília e Felipe.

"Minha mãe sempre foi uma mulher muito forte, tanto que sobreviveu a três AVCs, coisa que algumas pessoas mais jovens não conseguem", observa a filha. "O que segurou ela por mais tempo foi esse amor pela cultura e pelo orixá."

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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