Descrição de chapéu drogas

Reparação já: mudar a política de drogas por direitos e Justiça

Uma nova política de drogas é uma emergência política, econômica e humanitária

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nathália Oliveira

Socióloga, cofundadora e diretora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e da Secretaria Executiva da Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Juliana Borges

Escritora e coordenadora de advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas

Nesta quarta-feira (24), o STF (Supremo Tribunal Federal) retoma a apreciação do recurso extraordinário 635.659 (RE 635.659), que trata da tipicidade, para consumo pessoal, do porte de drogas —o recurso ficou quase oito anos sem ser analisado.

As dinâmicas da guerra às drogas em curso deixam evidentes as consequências devastadoras dessa política na vida de milhares de pessoas.

O Brasil é o terceiro no ranking de países que mais encarceram, em números absolutos. Um terço desta população de encarcerados é resultado da atual política de drogas e estamos longe de estabelecer um diagnóstico de que seriam eles os grandes responsáveis pelo narcotráfico no país ou na América Latina. Pesquisa realizada com base em sentenças das Varas Criminais do Distrito Federal e do Rio de Janeiro sobre processos referentes a tráfico de drogas posteriores à sanção da lei 11.343/2006 mostrou que a maioria dos presos tinha pequenas quantidades de substâncias.

Policiais militares durante dispersão de usuários de drogas no fluxo da cracolândia, no centro de São Paulo
Policiais militares durante dispersão de usuários de drogas no fluxo da cracolândia, no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 6.mai.23/Folhapress

Para além da situação do sistema prisional brasileiro, já constatada pelo STF como inconstitucional, a atual política de guerra às drogas estabelece dinâmica violenta em territórios periféricos, reproduz cotidianamente estereótipos e hierarquias raciais com o perfilamento e a seletividade penal racial e reafirma uma atuação policial descolada de processos e protocolos baseados em critérios objetivos.

Essas questões demonstram a importância do julgamento, que, em caso favorável, abre diversas possibilidades sobre como o Brasil tem atuado na temática sobre drogas e, com isso, a responsabilidade passa para outras arenas democráticas: as do Legislativo e do Executivo.

A proposta da Iniciativa Negra por uma nova política sobre drogas é que as premissas de reparação e justiça devem guiar os marcos para análises sobre como a atual política de drogas contribui para um cenário de injustiças criminais e de aprisionamento em massa da população negra, resultando em violações de direitos e de morte.

Sendo assim, oferecemos uma contribuição para o enfrentamento da questão livremente inspirada no conceito de justiça de transição que entendemos como um pontapé ao debate. De maneira a construir no Brasil um processo de a) memória, verdade e justiça sobre a guerra às drogas; b) reparação às comunidades afetadas; c) anistia para pessoas envolvidas no conflito; d) mudanças legislativas e institucionais que possibilitem o fim do conflito hoje justificado pela proibição das drogas.

Por fim, todas essas premissas culminam em um processo que visa ampliar a discussão acerca da regulamentação de substâncias ilícitas, a começar pela legalização e pela regulação da indústria canábica, privilegiando a agricultura familiar, modelos de impacto e redistribuição financeira que gerem renda e trabalho locais e comunitários, tendo a possibilidade de participação de pessoas anistiadas, e que o Brasil desenvolva uma cadeia industrial alinhada ao desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente.

A garantia do Estado democrático de Direito não pode mais ser realizada prescindindo da maioria da população brasileira. Uma nova política de drogas é uma emergência política, econômica e humanitária.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.