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Leonardo Biagioni e Paula Sacchetta

Direitos humanos e sistema prisional: para quem?

Encarcerados são citados quando convém e demonizados em debates rasos

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Leonardo Biagioni

Defensor público e mestre em direito penitenciário pela Universidade de Barcelona

Paula Sacchetta

Documentarista, dirigiu, entre outros, a série “Eu, Preso”

Sempre que começam as campanhas eleitorais, pessoas presas ascendem à pauta. Na última não foi diferente. Na guerra midiática, tão característica do período, Luiz Inácio Lula da Silva passou de "ladrão" a "ex-presidiário", sendo chamado assim por Jair Bolsonaro inclusive durante os debates presidenciais.

Já eleito, um vídeo com pessoas encarceradas comemorando com gritos e aplausos caiu nas redes. Afirmava-se que havia sido filmado quando se deu a virada em número de votos entre os dois candidatos e que os presos estariam apoiando Lula. Na verdade, as imagens são de 2016 e são só mais uma entre tantas fake news da campanha.

Pavilhão de penitenciária feminina na capital paulista - Marlene Bergamo - 1º.dez.11/Folhapress - Folhapress

Do lado de cá, qualquer ligação com pessoas presas para depreciar a imagem do então candidato Lula. Do lado de lá, pessoas amontoadas em celas superlotadas, jogadas à própria sorte, sem itens de higiene dos mais básicos, comendo alimentos podres e vivendo sob condições desumanas.

O assunto do sistema carcerário pautou o debate presidencial, mas nunca foi feito de forma responsável.

Esse distanciamento em relação às pessoas presas não passa de uma metalinguagem do que ocorre todos os dias em nosso país. Isolada atrás dos muros, a população prisional luta pela sobrevivência sem qualquer direito garantido e, não raro, adoece e morre.

Pessoas presas são citadas quando convém, demonizadas, num debate sem nenhuma profundidade para logo depois serem esquecidas ao longo dos anos de tantos mandatos. Já o desencarceramento, tema que deveria fazer parte de debates e propostas dos candidatos, não foi jamais mencionado. Passado o período das eleições, porém, algo novo aconteceu. Uma semana depois da posse de Lula, outras pessoas subiram a mesma rampa, desta vez para depredar a sede do governo federal e o patrimônio público.

Ao serem presas por crimes contra o Estado democrático de Direito, essas pessoas que sempre fizeram parte da turma do "bandido bom é bandido morto" passaram, ao experimentar o cárcere, a clamar por direitos, sobretudo direitos humanos.

Que bom! Ao que parece, de fato, esse distanciamento e os altos muros dos presídios impedem que a população enxergue o que ocorre ali dentro. Isso porque o massacre midiático desinformado contrasta, desde sempre, com as características desse grupo e a realidade dos cárceres.

Longe de representarem o maior perigo à sociedade, do lado de lá das grades, na verdade, vivem sob condições degradantes. Segundo dados da Defensoria Pública de São Paulo, nenhuma unidade prisional do estado conta com equipe mínima de saúde; mais de 70% das unidades prisionais racionam água e, em 20%, ela é liberada somente uma hora ou menos por dia dentro das celas, que são, em sua grande maioria, superlotadas, comportando em média o dobro do número de pessoas da sua capacidade.


Tudo isso leva à seguinte estatística: uma pessoa morre a cada seis horas nos presídios do Brasil. Não bastasse, essa necropolítica seletiva atinge a população jovem e negra do país, que é a maioria presa.

Os dados também mostram que essa violência é desproporcional com o crime que, em tese, foi praticado. Note-se que mais da metade das pessoas presas não praticaram crime com grave ameaça ou violência.

Assim, o alarde que se faz passa longe de uma discussão razoável sobre o tema, e as campanhas eleitorais, infelizmente, mostram um total desconhecimento no que se refere à população privada de liberdade.

A invisibilização dos espaços de privação de liberdade é uma entre muitas ferramentas para a manutenção desse estado de barbárie e desumanização. Espera-se, assim, que o sensacionalismo verificado durante a eleição não seja colocado como política do novo governo e que haja uma mudança radical com relação às ações para o sistema carcerário, efetivando o desencarceramento e proibindo o aprisionamento para certas condutas praticadas sem violência, somando-se à realização dos direitos das pessoas privadas de liberdade, para que tenhamos, então, uma sociedade com um mínimo de dignidade e civilidade.

Será que a turma dos "direitos humanos para humanos direitos" não concorda agora que eles devem ser, na verdade, universais, abarcando também as pessoas presas?

Pois temos um consenso. Mãos à obra.

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