Descrição de chapéu violência

Brasileiros dizem viver em país racista, mas negam praticar discriminação

Mais da metade dos entrevistados para pesquisa declarou já ter presenciado ataques como xingamentos e agressões físicas

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O carioca Gabriel, 27, diz passar por situações de discriminação frequentemente; ele vive em São Paulo.

O carioca Gabriel, 27, diz passar por situações de discriminação frequentemente; ele vive em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Para 81% dos brasileiros, o país é racista. No entanto, apenas 11% afirmam ter atitudes discriminatórias. A conclusão é de pesquisa realizada pelo Instituto Peregum e pelo Projeto Seta, organizações voltadas ao estudo da população negra, em parceria com o Ipec.

De 14 a 18 de abril deste ano, foram ouvidas presencialmente 2.000 pessoas com 16 anos ou mais em 127 municípios brasileiros. A margem de erro é de cinco pontos percentuais para mais ou para menos.

Entre os que concordam haver racismo no Brasil, os maiores índices foram constatados entre mulheres pretas (76%) e pardas (66%) e homens pretos (66%) que ganham até um salário mínimo. Já entre os que discordam predominam homens brancos acima dos 60 anos com alinhamento político à direita.

Mais da metade dos entrevistados declarou já ter presenciado algum ataque racista. Violência verbal, como xingamentos e ofensas, é a mais citada (66%), seguida de tratamento desigual (42%) e violência física, como agressões (39%) —17% dos entrevistados disseram ter sido alvo de situações desse tipo.

Também é preeminente o grupo que considera ser justa a criminalização do racismo no país: 65%. Contrários são 30%.

Gabriel, 27, diz que perseguições em lojas e olhares estranhos nas ruas são recorrentes
Gabriel, 27, diz que perseguições em lojas e olhares estranhos nas ruas são recorrentes - Karime Xavier/Folhapress

Para a historiadora Ana Paula Brandão, gestora do projeto Seta, a pesquisa leva a uma contradição: a população, majoritariamente, reconhece a existência do preconceito motivado por raça, mas não acredita reproduzi-lo. "Há um desconhecimento sobre o racismo ser algo estrutural", diz.

Não é o caso de Gabriel (que pediu para não ter seu sobrenome divulgado), 27. Para o carioca, morador da região central de São Paulo, o preconceito está presente em todos os lugares. Perseguições em lojas e olhares estranhos nas ruas são recorrentes, mas houve uma situação mais marcante.

Em outubro do último ano, o jovem caminhava nos arredores da estação Pedro 2º, da linha 3-vermelha do metrô, no centro paulistano. Ao passar por uma viatura da Polícia Militar, notou cochichos. Poucos passos depois, foi parado por um dos PMs. Este, armado, exigiu que Gabriel encostasse em um paredão com as mãos para cima.

A primeira observação do policial foi sobre o celular em posse do abordado. Ele perguntou a quem pertencia o aparelho. Gabriel respondeu ser dele. Uma nota fiscal lhe foi pedida e, como não a carregava naquele momento, o desbloqueio do modelo foi grosseiramente solicitado. Assustado, fez.

Houve uma devassa. O agente abriu todos os aplicativos. Emails foram lidos e fotos, conferidas. No fim, Gabriel, que havia saído para fazer compras em um supermercado, recebeu seu telefone móvel há muito tempo quitado e nenhuma explicação.

O relato se enquadra em mais um recorte trazido pela pesquisa. Para 79% dos participantes, abordagens policiais são baseadas na cor da pele, tipo de cabelo e estilo de vestimenta. Isto é denominado perfilamento racial. Homens pretos entre 16 e 24 anos, na opinião dos brasileiros, são mais vulneráveis à prática.

Thales Vieira, coordenador-executivo do Observatório da Branquitude, diz não ser novidade levantamento expondo a imagem racista do país, mas sempre importante a fim da plena compreensão do impacto gerado pela discriminação.

"Algo a ser pensado sobre essa pesquisa é como transformar a percepção coletiva sobre a existência do racismo em apoio a políticas públicas para valorizar a população negra e combater a desigualdade racial", declara ele.

Sobre esse tema, 74% dos respondentes indicaram ser a favor das ações afirmativas ou reservas de vagas a negros (pretos e pardos).

Na visão de Leopoldo Soares, professor de direitos humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pessoas negras têm ocupado gradativamente espaços a partir da promoção de discussão a respeito dos males produzidos pela iniquidade racial. "É algo louvável em um país como o nosso."

No entanto, ele ressalta que todo brasileiro deve aceitar ser racista e não culpar o próximo pelo problema. "Aqui, todos somos preconceituosos, mesmo não querendo ser. Eu, um homem negro, me pego reproduzindo racismo. Precisamos nos desconstruir, sempre buscar o progresso."

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, casos de racismo no país tiveram aumento de 68% em 2022. Foram registradas 2.458 ocorrências no último ano. Em 2021, houve 1.464.

Rio de Janeiro, Bahia e Santa Catarina lideram o crescimento das notificações. No estado fluminense, por exemplo, o total de casos saltou de 127 para 312 em um ano.

Em menor proporção, a quantidade de notificações por injúria racial também aumentou no país. Foram 10.990 no último ano, ante 10.814 em 2021

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