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Governo dá aval a lei defendida por bancada da bala que pode limitar mulheres na PM

Proposta recebe críticas de instituições ligadas à segurança pública e de órgãos ambientais

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Brasília

O governo Lula (PT) deu sinal verde para a aprovação do projeto que cria a Lei Orgânica da Polícia Militar, uma das principais bandeiras da bancada da bala. A lei limita a entrada de mulheres, além de dar poder de fiscalização ambiental às corporações, o que contraria servidores de órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Segundo membros do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a recomendação dada foi deixar a lei ser aprovada mesmo sob críticas de instituições que atuam na área. A pasta só iria se manifestar caso os parlamentares quisessem fazer alteração no texto.

Policiais militares durante dispersão de usuários de crack no fluxo da cracolândia na rua dos Gusmões, no centro de São Paulo
Policiais militares durante dispersão de usuários de crack no fluxo da cracolândia na rua dos Gusmões, no centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O projeto está no Senado e a ideia é que não volte à Câmara, que aprovou o texto no apagar das luzes do ano passado, em 14 de dezembro.

Integrantes do governo dizem que aprovar o projeto representa um gesto de aproximação a policiais e bombeiros militares, que são parte da base de Jair Bolsonaro (PL), e que foi custoso construir um acordo para o texto chegar à fase atual.

O relator do projeto é o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que deu parecer favorável ao projeto de lei aprovado na Comissão de Segurança Pública no Senado na última terça-feira (13). O texto segue para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), mas ainda não há data prevista para análise.

Membros do Ministério da Justiça disseram que pontos sensíveis, sem apontar quais, podem ser barrados na CCJ ou até mesmo vetados pelo presidente Lula (PT), caso o projeto seja aprovado no Congresso. Eles afirmaram, porém, que seriam medidas que não exigiriam o retorno do texto aos deputados.

Entre os pontos polêmicos, segundo especialistas de segurança pública, está a exigência de bacharelado em direito ou curso de formação reconhecido pelas corporações ou pelo estado para que haja o ingresso em quadros de oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, afirma que a exigência do curso de direito não cabe às polícias, pois a formação policial é muito mais ampla e complexa do que a proporcionada por esse curso. Na avaliação dela, o campo policial deve ser construído de forma autônoma e com suas próprias especificidades.

"É uma lei que já foi muito pior, mas ainda tem problemas, como as cotas para mulheres", avalia Carolina. "Nossa posição é que a lei deveria ser melhorada, mas também entendemos um certo pragmatismo do governo de tentar se aproximar das polícias militares, de criar um diálogo."

Especialistas apontam problemas no trecho sobre o acesso das mulheres à corporação. A proposta diz que um mínimo de 20% das vagas serão destinadas a candidatas do sexo feminino e que apenas "na área da saúde" elas também concorrem à totalidade ofertada em cada concurso.

Segundo o Sou da Paz, o trecho resulta em um teto, o que é contrário a uma política afirmativa de inclusão de mulheres nas forças de segurança.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que a lei acaba por não enfrentar os problemas reais dos policiais e bombeiros e que dificulta a integração entre polícias dentro do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública).

[A lei] não está tratando de segurança pública, trata de polícia militar e bombeiro militar. Quando fazem isso, eles acham que estão resolvendo algo que é problemático para eles, não para a segurança

Renato Sérgio de Lima

presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

"[A lei] não está tratando de segurança pública, trata de polícia militar e bombeiro militar. Quando fazem isso, eles acham que estão resolvendo algo que é problemático para eles, não para a segurança", afirma Lima. "A assessoria do ministro Flávio Dino [Justiça e Segurança Pública] e do Lula erraram feio em não perceber que isso na verdade é um enorme cavalo de troia para manter tudo do jeito que está. Não é uma lei corporativista, é uma lei sobre o futuro da segurança pública do país."

Ainda de acordo com Lima, a lei não resolve os problemas reais dos policiais militares e representa uma atualização do decreto-lei 667, de 1969 (durante a ditadura), que organizava a estrutura das PMs e dos bombeiros.

As PMs e os bombeiros, segundo o texto, também receberiam atribuições de preservação e fiscalização ambiental que hoje ficam a cargo de agências, por exemplo o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Assim, as forças poderiam, caso a matéria seja aprovada dessa forma, atuar como agentes de proteção ambiental.

A proposta inicial ainda colocava a PM como responsável por, "privativamente", realizar ações de fiscalização e até de educação ambiental. Servidores dos órgãos ambientais se mobilizaram no Congresso nos últimos dias contra a medida e conseguiram convencer Contarato a retirar esse termo do texto.

Na aprovação na Câmara, deputados retiraram trechos polêmicos, defendidos pela base de Jair Bolsonaro no Legislativo, que reduziam os poderes dos governadores sobre as corporações.

O texto foi enviado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso em 2001 e nunca havia avançado.

Durante o mandato de Bolsonaro, um movimento de aliados do então chefe do Executivo tentou incluir na proposta a exigência de que governadores precisariam escolher o comandante da PM por meio de uma lista tríplice formada pelos próprios oficiais e com previsão de mandato de dois anos.

No entanto, a equipe do próprio governo Lula, que estava em transição, e deputados chegaram a um acordo e isso foi excluído do texto. Integrantes do Ministério da Justiça apontam isso como uma vitória.

O que dividiu o plenário foi a discussão sobre autorização para policiais comparecerem armados à manifestação política. Por cinco votos, a bancada da bala conseguiu a aprovação do dispositivo.

Um dos pontos retirados definia que a apuração de todas as infrações penais praticadas por policiais militares, incluindo o crime doloso contra a vida, caberia à polícia judiciária militar, ou seja, à própria PM.

Essa proposta contraria a jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de, quando os suspeitos sejam policiais, evitar que as investigações criminais sejam realizadas pelas corporações às quais pertencem.

Também foi cortada a possibilidade de promoção automática dentro das carreiras. Outro ponto retirado é a possibilidade de que um PM volte à ativa depois de ter exercido um mandato no Executivo ou no Legislativo.

Mas, no texto votado no Senado, permaneceu uma brecha que permite que policiais e bombeiros militares que tenham concorrido e se tornado suplentes possam assumir suas funções e, ao final da suplência, retornar às suas instituições.

Na leitura de especialistas da segurança pública, o texto abre espaço para haver papel político-partidário dentro da instituição.

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