Descrição de chapéu Rio de Janeiro - Estado

'Já me sentia insegura', diz médica agredida em plantão de hospital no Rio

Idosa internada morreu enquanto profissional apanhava, e pai e filha foram presos por suspeita de homicídio; OUTRO LADO: Defesa diz que imputação de homicídio é desproporcional

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Rio de Janeiro

Sandra Lucia Bouyer Rodrigues, 53, trabalha há 30 anos como médica de hospitais municipais do Rio de Janeiro e diz que se acostumou a ouvir xingamentos de pacientes pela demora no atendimento. "Agressões verbais são constantes", diz.

Na madrugada do último domingo (16), Sandra foi vítima de agressões físicas. Segundo a polícia, André Luiz do Nascimento Soares, 48, e a filha dele, Samara Kiffini do Nascimento Soares, 23, quebraram portas, janelas e agrediram a única médica de plantão na emergência do Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, em Irajá, zona norte no Rio.

Sandra recebeu cinco pontos na boca e tem hematomas e arranhões nos braços e pescoço. Também teve medo de ser vítima de tiros. "Ele simulava estar armado, colocava a mão para trás." A defesa não respondeu se André portava arma.

Mulher branca, de cabelos louros, fala ao telefone. Ela está em pé, de perfil, usa jaleco azul e tem aparência tensa. Ela possui arranhões e uma marca de sangue da orelha ao pescoço
Sandra Bouyer durante plantão no último domingo (16); médica precisou levar cinco pontos na boca após ser agredida em hospital de Irajá, na zona norte do Rio - Arquivo pessoal

Apesar de abalada, Sandra afirma que não pretende se afastar da profissão.

"A gente não deve se curvar à violência. Não é porque fui vítima de violência que vou deixar de fazer aquilo que é a minha vocação. A minha vocação é a medicina", afirma.

De acordo com a polícia, André e Samara depredaram o hospital após ficarem incomodados pela demora no atendimento. André estava com um corte na mão esquerda e foi ao hospital, mas precisou aguardar porque havia pacientes mais graves. Insatisfeitos, pai e filha quebraram o vidro de duas portas e duas janelas. Depois, segundo testemunhas, André invadiu a ala dos pacientes graves e deu socos em Sandra.

Enquanto as agressões aconteciam, Arlene Marques da Silva, 82, internada na sala vermelha, sofreu uma parada cardiorrespiratória e morreu. A filha de Arlene diz que a mãe começou a passar mal na cama quando viu o homem socando o rosto da médica. Ela estava no hospital havia duas semanas por conta de um infarto.

A Polícia Civil investiga se a morte da idosa foi ocasionada pela falta de atendimento enquanto a médica era agredida.

André e Samara foram presos sob suspeita de agressão, dano ao patrimônio público e homicídio com dolo eventual —quando o autor assume o risco de matar, mesmo que não tenha essa intenção.

Mulher branca, de cabelos louros, mostra cotovelo machucado. O braço está sangrando e há pequenas manchas de sangue no jaleco azul que veste. Ela está em pé e usa óculos
Sandra Bouyer mostra braço machucado após agressão de pai e filha durante plantão em hospital de Irajá, na zona norte do Rio de Janeiro. Médica foi agredida porque homem estava insatisfeito com demora no atendimento - Arquivo pessoal

A defesa de pai e filha, representada pelo advogado Cláudio Rodrigues, disse na segunda-feira (17) que tem convicção de que a responsabilidade pela morte de Arlene é do poder público e afirma que a imputação de homicídio é desproporcional e equivocada. O advogado não respondeu aos contatos nesta terça.

'Deveríamos ter 5 médicos de plantão, mas só temos 2'

Médica cardiologista com experiência em terapia intensiva, Sandra atua há um ano e meio no hospital Silva Telles. Ela era a única médica para mais de 60 pacientes no plantão do último domingo.

"Atender 60 e tantos pacientes é normal em todos os plantões. Anormal era eu estar sozinha no meu quinto plantão. Deveríamos ter cinco médicos de plantão, mas só há dois lotados na unidade. Meu colega passou mal e não pôde ir", afirma.

Procurada pela Folha, a secretaria municipal de Saúde confirmou que o profissional teve um problema de saúde e não pôde comparecer.

A pasta disse que o padrão da emergência de clínica médica da unidade é que o plantão noturno seja composto por dois médicos, e que Sandra cumpriu o procedimento correto de dar prioridade para os casos de maior gravidade e risco.

Sandra afirma que passou a sentir mais medo depois que vigilantes, responsáveis pela segurança da unidade de saúde, foram substituídos por porteiros. "O nível de insegurança e agressividade das pessoas aumentou muito. Já sentia insegurança desde antes."

A secretaria municipal de Saúde afirma que todas as unidades contam com profissionais de vigilância desarmados. "Em caso de alguma intercorrência, as autoridades policiais são acionadas", diz a pasta, que não confirmou se as funções operacionais foram substituídas.

O Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) criou, em 2018, um portal na internet para que médicos notifiquem casos de agressões físicas ou verbais sofridas durante o exercício da profissão.

"Tais fatos trazem muita preocupação ao conselho. Temos feito reuniões com o comandante geral da Polícia Militar, buscando soluções que deem mais segurança para os médicos. Também criamos uma resolução que torna obrigatório que os médicos tenham garantida a segurança no seu local de trabalho, e que essa segurança não seja exclusivamente patrimonial", afirma Yuri Salles, diretor do Cremerj.

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