Conselho de direitos humanos faz missão emergencial em SP sobre mortes em Guarujá

Órgão nacional também cobra apuração de ameaças recebidas por ouvidor das polícias; governo vem negando acusações de abusos em operação

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São Paulo

Uma equipe do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) realiza missão emergencial em São Paulo para cobrar transparência nas investigações das mortes de 16 pessoas em operação da PM em Guarujá, além das ameaças relatadas pelo ouvidor da polícias, Claudio Aparecido da Silva.

De acordo com o presidente do conselho, André Carneiro Leão, o foco da missão era fazer uma audiência com famílias de vítimas da ação policial na Baixada Santista, mas o grupo achou necessário incluir na agenda a situação enfrentada pelo ouvidor, que tem a responsabilidade de apurar denúncias de crimes cometidos policiais.

"Isso, de fato, ultrapassa todo o limite do razoável, porque é uma pessoa que deve ter toda liberdade para executar a função dela. Então, isso nos assusta também particularmente", disse Leão.

Cartazes e bonecos representando vítimas estendidos no chão
Ato em Guarujá em repúdio às mortes ocorridas na Baixada Santista durante operação policial - Danilo Verpa - 2.ago.2023/Folhapress

O ouvidor registrou dois boletins de ocorrência relatando ameaças sofridas desde o início do mês.

Uma delas ocorreu em um grupo de mensagens de policiais penais. Um dos integrantes escreveu que o ouvidor tinha que morrer por apoiar bandidos. A outra situação, na última quarta (9), envolve um desconhecido que ligou para a Ouvidoria pedindo detalhes do veículo usado por Silva e da agenda dele.

"Eu me sinto fortificado diante dessas ameaças, porque elas mostram que estamos no caminho certo. Nossa atuação está incomodando aqueles que defendem o arbítrio! Isso não quer dizer que não me preocupo. Me preocupo e, por isso, estamos tomando todas as medidas legais", disse à Folha.

Nesta terça-feira (15), a comitiva se reuniu com o procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, para solicitar uma investigação "paralela e independente" para apurar as ameaças contra o ouvidor. Leão disse que o procurador demonstrou estar atento para o assunto e com ações em andamento.

Além do encontro com Sarrubbo, o CNDH também teria reunião com a representantes da Defensoria Pública e, ainda, com o próprio ouvidor. Leão afirmou que tentou uma agenda com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e com o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, para este começo de semana.

Segundo ele, o conselho enviou ofício para essas autoridades na semana passada, mas não havia tido resposta até o começo da tarde desta terça. Após a Folha procurar o governo sobre o assunto, o presidente recebeu ligação com a proposta uma reunião para a próxima terça (23).

Leão disse que vê com preocupação uma possível regressão da exemplar política para redução da letalidade policial implantada em SP em governos anteriores.

"A gente manifesta uma preocupação especial com um certo populismo necrófilo, digamos assim. É um populismo que nos preocupa por vir de um estado que já havia demonstrado um enfrentamento sério, técnico, a essa questão da letalidade policial", disse.

Em documento publicado nesta segunda (14), o CNDH recomendou ao governador uma investigação urgente dos crimes de ameaça contra o ouvidor, "fornecendo, no prazo de 15 dias, informações sobre o resultado desses inquéritos".

O documento também solicita reforço da segurança pessoal de Silva, para que ele possa exercer a função dele de forma "plena e autônoma". Ele também cobra de Tarcísio a liberação de informações solicitadas pela Ouvidoria, "especialmente as imagens das câmeras corporais usadas por policiais".

Conforme reportagem da Folha, o governo paulista ignorou pedido da Ouvidoria para ter acesso às imagens das câmeras corporais dos PMs.

Sobre a conversa com as famílias da Baixada, Leão disse que ouviu uma série de relatos de abusos por parte da polícia, de pessoas mortas enquanto estavam dormindo ou voltando do trabalho e de morte de uma pessoa em situação de rua.

"Tivemos também relatos muito tristes de pessoas que tiveram dificuldades de ter respeitado o seu direito ao luto. Pessoas que não puderam fazer o reconhecimento de seus familiares. Os corpos eram entregues com caixão fechado, lacrado, e sempre que o enterro era feito sem a possibilidade de verificar se tratava, inclusive, efetivamente do seu do seu familiar."

Em notas recentes, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse que todas as circunstâncias das mortes são investigadas pela Polícia Civil e em inquérito policial militar. "Os processos estão detalhadamente documentados e são acompanhados pelo Ministério Público e Poder Judiciário, inclusive com todas as informações sobre horários indagados, que também serão analisados em conjunto com os demais contextos."

Tarcísio e Derrite negam as acusações de supostos abusos, a que chamam de narrativas. "Eu não estou querendo politizar ou polemizar, estou respondendo. Essas narrativas de que houve tortura, de que [mortos] foram executados. Todos os exames do Instituto Médico Legal, as necropsias não apontam nenhum sinal de violência, muito menos de tortura", afirmou Derrite no último dia 2.

De acordo com o chefe da comissão, o trabalho continuará, e a construção de um comitê de monitoramento está na pauta.

"Aí devemos solicitar também a presença de representantes do poder público federal. Nós estamos cobrando, inicialmente, pelos menos de um representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, do Ministério da Justiça e do Ministério da Igualdade Racial, que já estiveram aqui e têm conhecimento dos fatos", disse.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que "recebeu o ofício do Conselho Nacional de Direitos Humanos e a Secretaria de Segurança Pública está em contato para agendar reunião."

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