Descrição de chapéu indígenas

Indígenas são baleados a 100 km de Lula e da Cúpula da Amazônia

OUTRO LADO: Empresa afirma que foi invadida e que seguranças agiram para proteger funcionários

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Brasília

A cerca de 100 km de onde o presidente Lula (PT) vai participar nesta terça (8) da Cúpula da Amazônia, indígenas tembé relatam que são alvo de uma onda de violência que já deixou quatro baleados desde o início do mês.

Os ataques foram feitos na última sexta-feira (4), quando um primeiro indígena foi ferido, e nesta segunda (7), com mais três atingidos —um deles acabou preso pela Polícia Militar do Pará.

As lideranças tembé acusam uma empresa de segurança privada da BBF (Brasil BioFuels), companhia que trabalha com o cultivo de dendê e com a produção de biocombustíveis, pelos ataques e relatam que o homem detido pela PM estava sendo atendido no hospital quando foi levado.

Indígena Tembé em evento no Teatro da Paz, em Belém, capital do Pará
Indígena Tembé em evento no Teatro da Paz, em Belém, capital do Pará - Ueslei Marcelino - 7.ago.2023/Reuters

Em nota, a empresa afirma que a área lhe pertence, foi invadida e que os agentes de segurança privada agiram para proteger seu patrimônio e seus funcionários.

Representantes do povo foram a Belém denunciar a situação no último final de semana, quando acontecia o evento preparatório da Cúpula, e protestaram nesta segunda, na cidade de Tomé-Açu, no Pará.

Os casos são os mais recentes de uma nova série de ataques, mas as investidas contra a comunidade são recorrentes há anos, afirmam as lideranças.

"Desde 2009, reivindicamos a ampliação de nossos territórios. E até então não tivemos resposta. Por não termos resposta, fazemos nossa autodemarcação, reocupando o nosso território. De 2014 para cá, o conflito ficou mais acirrado", disse à Folha Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu.

Nesta segunda, representantes do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), da ONU (Organização das Nações Unidas), do Ministério Público do Trabalho, da Human Rights Watch, da Comissão Pastoral da Terra e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) estiveram na cidade de Tomé Açu para acompanhar o caso.

O MPF-PA (Ministério Público Federal do Pará) pediu o fim da violência e a apuração pela Polícia Federal (PF).

Segundo a BBF, na sexta, "cem invasores armados com terçados, facas, armas de fogo e armas caseiras entraram em conflito com trabalhadores, incendiando e destruindo as instalações físicas da fazenda, maquinários e equipamentos da empresa."

Na segunda, "trinta invasores armados ameaçaram e agrediram trabalhadores da empresa, antes de incendiar dezenas de tratores, maquinários agrícolas e edificações da companhia."

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Pará disse que foi instaurado inquérito para apurar os ocorridos, que o indígena foi detido para prestar depoimento sobre o caso e depois, liberado.

"A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informa que o vigilante identificado como autor do disparo que atingiu um indígena na última sexta-feira (04), foi apresentado nesta segunda-feira (07), na Superintendência de Polícia Civil de Castanhal e encaminhado ao Sistema Penitenciário", disse o órgão, em nota.

"A Segup reforça que, apesar do caso ter ocorrido dentro de uma propriedade particular, está tomando todas as providências, dentro das atribuições do Estado, para esclarecer as circunstâncias do ocorrido. O policiamento na área foi reforçado e as Polícias Civil e Militar estão em diligências para esclarecer os fatos, instaurar inquéritos e identificar os outros suspeitos envolvidos no caso desta segunda-feira (07)", completou a secretaria.

Os ataques contra os tembé são recorrentes. Em maio, o cacique Lúcio Gusmão foi baleado na cabeça —ele era uma das lideranças que atuava contra a BBF. Em dezembro de 2022, seguranças contratados pela empresa foram flagrados apontando armas de fogo para os indígenas.

O povo também foi um dos que sofreu com o aumento de violência às vésperas das eleições do ano passado.

O povo tem duas terras demarcadas na região e que reivindicam ampliação: o território Turé-Mariquita e o Tembé; eles ficam a cerca de 100 km de Belém.

A cidade, capital do estado governado pelo aliado de Lula Helder Barbalho (MDB), recebe a Cúpula da Amazônia nesta terça e quarta (9) com a presença de líderes dos países nos quais o bioma está presente.

Um dos pontos principais do debate é justamente o protagonismo indígena, a proteção dos povos e a consolidação dos acordos de consulta prévia às comunidades.

Os países assinarão uma declaração conjunta ao final do evento. Como mostrou a Folha, o rascunho do documento reconhece os direitos indígenas e seus territórios, mencionando o compromisso de consultá-los antes de decidir sobre projetos que lhes afetem, em concordância com a previsão da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

"Senhores governador [do Pará] e presidente [Lula], não há transição energética e nem justiça climática sem justiça ambiental, agrária e territorial. Cremos que vossas excelências não querem carregar a marca de uma falsa transição energética manchada com sangue indígena, quilombola e ribeirinhos", diz a associação Tembé, em nota.

Miriam disse que, dos quatro baleados, o primeiro está atualmente sob cuidados da Casai (Casa de Assistência à Saúde Indígena) de Belém; uma indígena foi atingida no pescoço e transferida para a capital do estado, onde segue internada; outra, ferida na perna, já foi tratada em Tomé-Açu e retornou à aldeia.

O último, segundo a liderança, foi detido pela PM —que não explicou aos indígenas o motivo da prisão.

"Foi atingido com um tiro nas costas, na região do ombro, estava recebendo atendimento no hospital e a polícia o levou para a delegacia, para prestar depoimento. Chegando lá, ele foi algemado, colocado em um camburão e levado preso", diz.

"A gente se sente muito afrontado. Ele foi baleado, é uma vítima e foi levado preso", completa.

Os indígenas protestaram na cidade contra a violência dos agentes de segurança privada e pela liberdade do indígena.

Segundo a associação, o ataque de sexta foi feito após a chegada de "forte e ostensivo grupamento da Polícia Militar especializada no município". As lideranças afirmam ainda que a segurança privada contratada pela BBF conta com apoio dos agentes públicos e usa armas de fogo.

Já o Conselho Nacional de Direitos Humanos enviou um ofício ao governador do Pará pedindo providências "frente a este brutal ataque".

A BBF afirma que já registrou mais de 850 boletins de ocorrência nos últimos dois anos, desde que assumiu a operação na região. "O Grupo BBF enfrenta um cenário complexo e violento de invasões, promovidas por um grupo formado por indivíduos, que praticam diversos tipos de crimes contra o patrimônio da empresa, trabalhadores, moradores das comunidades e meio ambiente", disse a empresa, em nota.

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