Rio tem um desaparecido a cada 90 minutos; mais da metade dos registros é em área de milícia

Baixada e zona oeste da capital têm maior número de desaparecimentos, com 1.711 casos em 2023, aponta relatório

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Rio de Janeiro

Uma pessoa desapareceu a cada hora e meia no Rio de Janeiro, entre janeiro e julho deste ano. Ao todo, foram registrados 3.347 casos de desaparecimento no período. Mais da metade, 1.711, aconteceu na Baixada Fluminense e na zona oeste da capital, áreas com predominância da milícia. Os desaparecimentos têm sido usados pelos grupos criminosos como uma forma de impor o domínio territorial, conforme aponta a IDMJR (Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial).

A iniciativa divulgou seu boletim anual nesta quarta-feira (30), Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados. Segundo o relatório, o número de desaparecidos na Baixada Fluminense equivale a 25% de todo o estado do Rio e é lá onde está a maior incidência de encontros de cadáveres e ossadas —20% em ambos os casos.

Agentes da Polícia Civil escavam cemitério clandestino
Agentes da Polícia Civil escavam cemitério clandestino no Parque Sarandi, em Queimados, na Baixada Fluminense - Polícia Civil - 30.ago.2019/Divulgação

Apesar de o Brasil ser signatário da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, o país não tem uma tipificação própria para esse crime. Os casos são registrados como desaparecimentos comuns e não há levantamentos oficiais para diferenciá-los.

Nos sete primeiros meses deste ano, a Baixada Fluminense foi o local com o maior número de registros de desaparecidos: 914. Em seguida, aparece a zona oeste da capital, com 797, e as zonas sul e norte juntas, 687. A divisão das áreas segue o mesmo parâmetro usado pelo ISP (Instituto de Segurança Pública).

O boletim da IDMJR é feito a partir de dados do instituto, que leva em conta registros de ocorrência das delegacias do estado e queixas de moradores e grupos em redes sociais. Apesar de o número de desaparecidos ser alto, o coordenador executivo da iniciativa, Fransérgio Goulart, ressalta uma subnotificação.

"Imagina uma mãe fazer um boletim de ocorrência para falar que quem sumiu com filho dela foi o miliciano que ocupa o território em que ela mora. Ou então o varejista de droga, ou até mesmo a própria polícia. Os números podem ser muito maiores por causa desse medo", afirma Goulart.

O especialista aponta também para uma baixa taxa de elucidação dos casos de desaparecimento. Os dados do número de pessoas encontradas, vivas ou mortas, não são informados pelo ISP.

O Ministério Público do Rio tem o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos, mas, ao ser procurado pela reportagem, não informou os números de 2023 nem de 2022. As informações públicas do programa são sobre o perfil de quem desapareceu —39,1% das vítimas são pardas e 29,1%, pretas. A maioria são homens, 64,93%.

A faixa etária com maior número de desaparecidos é entre 12 a 17 anos (26,2%), seguida de 18 a 24 anos (17,1%).

Em geral, afirma Goulart, os casos de desaparecimento forçados são solucionados fora da esfera pública, ou seja, sem a participação das forças de segurança. As famílias das vítimas costumam encontrá-las a partir informações das redes sociais e de grupos de apoio.

"Se não há uma investigação firme da polícia, uma ossada ou corpo que eventualmente seja encontrado pode não ser identificado, e aquela família nunca vai ter uma resposta", diz Goulart.

"É uma mistura de falta de vontade e de estrutura para resolver esses casos. Porque se a polícia fizer uma busca direito, usando tecnologia, no Rio Guandu [que passa pela Baixada Fluminense], com certeza vai achar corpos lá."

Procurada, a Polícia Civil não respondeu até a publicação.

‘Áreas de desova’

A IDMRJ também identificou 92 cemitérios clandestinos na Baixada —15 a mais do que foi apontado no levantamento do ano passado. Eles são conhecidos como "áreas de desova". Os mais comuns são em linhas férreas, terrenos baldios, margens de rodovias e lixões. Na maioria das vezes, as vítimas são encontradas mutiladas e decapitadas.

O relatório da iniciativa aponta ainda que parte dos corpos das vítimas de desaparecimento tem sido expostos em áreas públicas pelos criminosos para impor sua força. A maior ocorrência disso tem sido na Baixada Fluminense.

"As milícias têm amplamente utilizado a decapitação e posteriormente a exposição de diversas partes dos corpos desmembrados em espaços públicos, como linhas férreas, para a construção de uma pedagogia do medo", diz o boletim.

Desde 2021, o Rio de Janeiro vive uma tendência de alta no número de desaparecidos. Este ano, de janeiro a julho, houve um aumento de 10,2% em comparação ao mesmo período do ano passado. Já entre o 2022 e 2021, esse percentual foi de 30%.

Para Goulart, há uma relação entre essa alta e o número de operações policiais feitas, que também tiveram um aumento.

"Operações acontecem, em geral, em territórios dominados por um determinado varejo de drogas. Após as ações policiais, esses grupos ficam enfraquecidos, e as milícias ocupam o território deles. Em 2020, as milícias não tinham essa totalidade territorial como se tem hoje, depois dessas operações", diz.

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