Descrição de chapéu violência

Conselho de direitos humanos recomenda que Tarcísio interrompa Operação Escudo

Órgão federal lista 11 relatos de supostas violações na ação mais letal da PM desde o Carandiru; OUTRO LADO: governo diz que mortes ocorreram em confrontos

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São Paulo

Após uma missão de emergência no litoral paulista, o Conselho Nacional de Direitos Humanos recomendou que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) interrompa imediatamente a Operação Escudo, que deixou ao menos 24 mortos na região ao longo de um mês.

Em relatório preliminar divulgado nesta sexta-feira (1º), o órgão listou 11 relatos de supostas violações que incluem assassinatos sumários, sequestro e remoções forçadas sem mandado judicial. O documento foi apresentado em audiência pública na sede da Defensoria Pública da União em São Paulo.

agentes da polícia circulam por rua com armas longas, a foto retrata os agentes por trás.
Movimentação de policiais militares na Vila Baiana, em Guarujá, durante a Operação Escudo - Danilo Verpa - 31.jul.23/Folhapress

"A recomendação principal é interromper imediatamente a operação, mas todas estão divididas em duas partes. A primeira é apurar o que foi feito até aqui, e a outra é concentrar esforços para a redução da letalidade", afirmou o defensor público federal André Carneiro Leão, presidente do conselho.

Entre as 27 recomendações ao governo estão a apresentação, em até 20 dias, de um plano de ação da Operação Escudo, com esclarecimentos sobre as mortes de civis por agentes policiais, um relatório de cada dia da operação com informações sobre objetivos, armas, batalhões e comandantes envolvidos, a cadeia de custódia das câmeras de todos os policiais que atuaram na ação, incluindo explicações de agentes que não usaram câmera.

O órgão pede ainda reconhecimento das possíveis violações de direitos humanos ocorridas durante a operação, além da emissão de um pedido público de desculpas às vítimas e seus familiares. Também pede a responsabilização de superiores, caso tenham tomado conhecimento de uso ilegítimo de força com armas de fogo por agentes.

O governo e a SSP (Secretaria da Segurança Pública) têm afirmado que as apurações não têm apontado irregularidades na Operação Escudo. Nesta sexta, a pasta disse, em nota, que todas as provas estão sendo compartilhadas com o Ministério Público e o Judiciário e voltou a afirmar que todas as 24 mortes foram causadas por confronto.

"Os laudos oficiais de todas as mortes, elaborados pelo Instituto Médico Legal (IML), foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da Lei. Em nenhum deles foi registrado sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os episódios relatados."

O conselho, vinculado ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, também fez recomendações ao próprio ministério, além das pastas de Igualdade Racial e Justiça e Segurança Pública e das prefeituras de Guarujá e Santos.

Para as administrações municipais, as recomendações tratam especificamente de proibir o uso de guardas-civis municipais na Operação Escudo e ações semelhantes e coibir a prática de remoções forçadas e a destruição de barracos sem ordem judicial.

Esse pedido veio de uma das 11 denúncias reunidas no relatório, que cita interesses de empresas do setor imobiliário em Santos. De acordo com o texto, foram feitas remoções forçadas por agentes das guardas.

A prefeitura de Santos disse, em nota, que informou ao conselho que seus guardas não participaram da Operação Escudo, e que apenas enviou agentes a uma ação da Polícia Civil no bairro Alemoa. A prefeitura de Guarujá disse que ainda não foi notificada oficialmente sobre o relatório.

Outro relato conta que um jovem recebeu dois tiros, um no peito e outro no abdômen, que ficou quatro horas sem ser socorrido. Ao ser internado, o hospital não teria dado informações à Defensoria Pública ou aos familiares dele.

Em seguida, ele teria sido retirado por agentes públicos do hospital e levado para o 5º Distrito Policial, e depois para o Centro de Detenção Provisória de São Vicente, ainda com um dreno no corpo.

"Terminando um ato, veio a notícia de um menino sequestrado do hospital que estava tendo convulsão no CDP, e a mãe não sabia onde ele estava", afirmou Débora Maria da Silva, fundadora do movimento Mães de Maio. Ela criticou a demora na apuração das mortes por agentes e na investigação sobre a morte do soldado da Rota Patrick Reis.

"A câmera é exigida por nós porque somos monitorados o tempo todo em tudo que é lugar, e por que para eles não tem? Não é possível que paguemos funcionário público para matar nossos filhos", afirmou Débora, que fundou o movimento após perder o filho na onda de violência de 2006 em São Paulo.

Além de Débora, outros movimentos, como o Mães do Cárcere, e organizações de direitos humanos participaram da audiência pública para a apresentação do relatório.

Outro relato aponta o que seria um modus operandi das mortes. "Primeiro, entram com uma equipe batendo nas portas e mandando as pessoas entrarem (ou permanecerem) nas casas. Depois, com as vielas sem ninguém, trazem as vítimas, que são ali executadas. Esse foi o caso do Felipe Nunes, 30, e de um outro indivíduo que não era da comunidade." Felipe foi morto em Guarujá com seis tiros, e familiares relataram queimaduras de cigarro e cortes nos braços. Essa foi a primeira acusação de tortura feita na operação.

Ausência de Tarcísio e Derrite é criticada

A diretora da Anistia Internacional, Jurema Werneck, criticou a ausência do governador Tarcísio de Freitas e do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, que foram convidados, junto com outras autoridades, para a audiência. Procurada sobre isso, a SSP não comentou.

"Não é possível que o secretário cancele a audiência na porta dela acontecer e não preste contas à sociedade civil."

Dimitri Sales, do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana, também fez críticas sobre o diálogo com a gestão. "O governo não respondeu ofícios e nem recebeu o conselho. Há muitas dúvidas sobre a fundamentação da Operação Escudo, e o governo se recusa a responder os ofícios. É preciso investigar a fundo a morte do soldado Patrick, mas também investigar a fundo as denúncias de tortura na Baixada. É uma operação desastrosa."

O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), afirmou que vai apresentar um requerimento para convocar o governador e o secretário Derrite compareçam à comissão de Direitos Humanos da Alesp para dar explicações sobre a operação.

A missão do conselho esteve no litoral, em Guarujá e Santos, e na capital paulista entre 14 e 15 de agosto. O grupo fez reuniões com familiares de mortos na operação e lideranças comunitárias para coletar relatos e denúncias de abusos. Também foram ouvidas autoridades do Judiciário e da segurança pública paulista.

O documento também pede proteção com escolta para o Ouvidor das polícias, Claudio Aparecido da Silva, que registrou ocorrência de ameaça de morte no começo de agosto. No evento, ele criticou a falta de informações do governo. "A Ouvidoria ainda está aguardando respostas sobre como essa operação foi planejada em menos de 12 horas. Estamos aguardando da SSP os laudos de local, as respostas sobre câmeras, porque em nove casos com mortes as ocorrências eram de batalhão 100% coberto por câmeras, e os laudos necroscópicos."

ENTIDADES PEDEM FEDERALIZAÇÃO

Com 24 mortes, a Escudo é a operação da Polícia Militar paulista mais letal desde o massacre do Carandiru. Ela foi deflagrada no fim de julho, após o assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota.

O Ministério Público estadual apura cada morte em um inquérito separado e também investiga os inquéritos policiais da operação, além de manter uma terceira investigação independente sobre violações de direitos humanos.

Participantes da audiência reivindicam a federalizar a investigação, o que foi rebatido pela Promotoria.

"Nosso povo preto e pobre está morrendo como barata, torturado. É execução sumária, é disso que se trata", afirmou Regina Lúcia Santos, do Movimento Negro Unificado. "A federalização é a esperança de que a gente consiga chegar a algum termo, porque o sistema já falhou. Mas não é só. É responsabilizar todos os entes envolvidos."

"Federalizar significa que falhamos aqui. Falo aqui que o que for necessário de órgãos públicos, movimentos organizados, o Ministério Público conta com a colaboração de todos, nenhum caminho deixará de ser trilhado. Se for necessária a federalização é porque esse compromisso falhou", disse o promotor Danilo Pugliesi.

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