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Daniel Hirata e Carolina Christoph Grillo

Grupos armados no Rio de Janeiro e a inação, a ineficiência e a fraqueza do Estado

Polícia já matou gerações de traficantes e milicianos sem nunca ter resolvido o problema; Rio é um território sob comando armado

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Daniel Hirata

Coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense)

Carolina Christoph Grillo

Coordenadora do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense)

Vamos direto ao ponto: o controle territorial armado é um dos mais graves e persistentes problemas públicos do Rio de Janeiro e o governo é parte do problema. É certo que o atual estágio da questão não é responsabilidade única do atual governo do estado. Seja porque a formação e expansão dos grupos armados se deu ao longo de quatro décadas de má administração pública (com raros e efêmeros momentos de exceção), seja porque a atuação nacionalizada de tais grupos exige ações coordenadas pelas diferentes esferas do poder público (Executivo, Judiciário e Legislativo) em seus distintos níveis (municipal, estadual e federal). No entanto, a inação, a ineficácia e a fraqueza do atual governo do Rio de Janeiro tem colaborado para agravar ainda mais a situação.

Por inação referimo-nos à ausência de ações estratégicas voltadas para as bases econômicas e políticas desses grupos, especialmente das milícias, que inauguraram um modelo de negócios mais diversificado, hoje copiado por facções do tráfico de drogas.

O poder econômico das milícias advém da extração de recursos pela imposição do controle sobre territórios, populações e mercados. As milícias controlam e/ou sobretaxam os mercados e serviços locais de habitação, transporte, energia elétrica, água, lixo, entulho, internet, gás de cozinha etc. A tolerância, a conivência e, inclusive, a participação direta de agentes públicos nos quadros dessas organizações favoreceu o desenvolvimento e a manutenção dessas atividades extrativas, que contam com baixa fiscalização por parte dos órgãos competentes e baixa repressão policial. Nada tem sido feito para coibir os negócios da milícia, o que permite, pela inação, a expansão da lógica do controle territorial armado.

Motociclista passa em frente a carcaça de ônibus queimado no Rio - Eduardo Anizelli - 23.out.23/Folhapress

Por ineficácia nos referimos à insistência em manter as mesmas políticas centradas no enfrentamento armado, que servem a propósitos eleitorais, mas que em nada contribuem para o desmantelamento das redes criminais. As ações letais baseadas em operações policiais já mataram gerações de milicianos e traficantes, mas não contiveram a expansão dos grupos armados no Rio de Janeiro. Ao contrário, a morte de lideranças é frequentemente o detonador de crises, como a escalada de violência evidenciada nos últimos anos desde a morte do miliciano Ecko, que ensejou uma disputa sucessória intestina na maior milícia do Rio de Janeiro e criou oportunidades para facções buscarem ampliar seus domínios.

O controle do crime inevitavelmente envolverá a prisão de indivíduos, entretanto, seria mais estratégico mirar nas posições intermediárias que articulam as alianças políticas e parcerias econômicas dessas organizações do que insistir no encarceramento em massa da base empobrecida ou na ilusão de que cortando a cabeça de uma organização, ela desaparecerá. Ao contrário do que se espera, as prisões abarrotadas apenas aumentam o poder do crime e as cabeças cortadas, como hidras, multiplicam-se a cada golpe sofrido.

A fraqueza, escancarada no dia em que mais se queimaram ônibus na história do Rio de Janeiro, é disfarçada através de bravatas sobre caçar determinados indivíduos e aplicar penas mais altas, repetindo mais do mesmo que já se sabe não funcionar. Resta, contudo, evidente o descontrole do governador sobre as políticas de segurança. Ao extinguir a Seseg (Secretaria de Estado de Segurança), perdeu-se a coordenação das ações e o controle político do poder em armas, colocando água no moinho do descontrole sobre o uso da força, que é a condição de possibilidade da corrupção policial.

Esse cenário se agravou com as denúncias que levaram à prisão do homem forte da segurança no Rio por associação com o jogo do bicho, abrindo um vácuo de poder no comando da segurança pública no Rio de Janeiro. E este espaço foi preenchido quando da polêmica nomeação do atual secretário da Polícia Civil do RJ, feita sobre pressão e rebelião do comando da Alerj e de deputados conhecidos por suas notórias relações com milicianos.

O Rio de Janeiro necessita de ações, na forma de políticas públicas, que sejam fortes, incisivas e eficazes, porque baseadas em dados e evidências. O apoio do governo federal e dos municípios é bem-vindo, mas não para reforçar o que já se faz há décadas. Seria desejável a atuação através da regulação dos mercados parasitados pelos grupos armados e também no auxílio para romper os elos entre instituições públicas e criminosos.

Na mesma direção, seria igualmente bem-vinda uma segunda CPI das milícias, articulando os três níveis de estado e, claro, conduzidas por parlamentares comprometidos com o real enfrentamento do crime. Por fim, o judiciário poderia colaborar com a devida investigação e condenação das conexões políticas e econômicas desses grupos. É uma tarefa hercúlea, mas que precisa ser iniciada com a urgência que a escala do problema impõe.

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