Júlia Oliveira Cunha andava todos os dias no pátio de seu prédio, seguindo recomendações médicas. Certa vez, a maçaneta da porta da rua estava emperrada. Sozinha em casa, a mulher —à época com 72 anos— não deixou o inconveniente atrapalhar a rotina. Pulou da janela e, intacta, fez sua caminhada.
O caso foi contado com casualidade para a filha, Isabel Cunha, 60, e para a neta Maria Júlia, 21, com quem morava e com quem compartilhava o espírito juvenil, o ânimo e o nome.
O papel de avó excedia os laços sanguíneos. O título de Vó Júlia era utilizado por amigos de filhos, netos e de qualquer um que entrasse na casa da matriarca. "Tinha para mais de 50 netos postiços", diz a primogênita Isabel. Boa parte dos presentes em seu velório era de jovens, reflexo de sua vida. Até o último momento, carregou a sina de ser cheia de juventude.
Vó Júlia começou a trabalhar aos 17 anos na Casa Sloper, loja de roupas localizada na tradicional rua Chile, em Salvador (BA). O local e o trabalho condiziam com a figura vaidosa que andava de salto alto dentro de casa, mesmo com o avançar da idade. Em seu velório, o semblante tranquilo estava enfeitado com o último indicativo de sua vaidade e juventude: foi enterrada de batom vermelho.
"Ela tinha que ter, pelo menos, uns 3 centímetros de salto, porque dizia que doía a coluna quando ela calçava o sapato. Quando começou a andar na orla, inicialmente ia de salto", diz Isabel. Manteve o hábito até saber que teria que ir com tênis adequado. Levou tempo para se acostumar e chegava em casa dizendo estar morrendo de dor nas pernas por estar sem a peça.
A força nas próprias convicções —que a fazia pular janelas— era a mesma em todas as atividades. Devota de santa Rita de Cássia e diversos outros santos, rezava em todos os cantos da casa, conforme lembram os filhos.
O desgaste do tempo a levou a enfrentar percalços na saúde, como infarto e lapsos de memória, que não afetaram seu ânimo. Disciplinada, seguia recomendações médicas à risca. Era a única entre os nove irmãos a não desenvolver diabetes. Foi a mais longeva dos filhos.
Brigava e desmentia a quem dissesse que ela estava doente, mesmo quando a saúde já falhava. "Os períodos que ela não estava 100% de saúde, quando pegava o telefone, era a única coisa que ela ainda brigava", diz o caçula Hélio Cunha, 57. "Ela nem sabia o que tinham dito, mas [dizia] que não era daquele jeito, que ela estava bem, era sempre assim."
Júlia Oliveira Cunha morreu aos 91 anos em 24 de setembro de 2023. Deixa a irmã caçula Essy, os filhos Isabel e Hélio e os netos Maria Júlia, Maria Elis, Matheus e mais 50 netos postiços.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.