Descrição de chapéu Folhajus Consciência Negra

Dez defensorias públicas no Brasil não têm ouvidoria 15 anos depois de lei, diz levantamento

Negras e mulheres são maioria dos ouvidores, apesar de maioria dos defensores públicos serem homens e brancos

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São Paulo

Dez defensorias públicas do país ainda não têm ouvidorias externas, apesar de a lei que determina a instalação dessas estruturas estar prestes a completar 15 anos. Onze delas tem até dois servidores na equipe e mais da metade ainda não tem sua estrutura definida pelo conselho superior das defensorias dos seus respectivos estados.

Por outro lado, o perfil pessoas neste cargo é mais diverso do que o verificado dentro das carreiras em relação a raça e gênero. Brancos são 33,3%, enquanto negros (53,3%) e indígenas (13,3%) representam, juntos, maioria. As mulheres (cis ou trans) chegam a 73,4%, e 13,4% delas se identificaram como lésbicas ou bissexuais, e 86,7%, heterossexuais.

É o que apontam dados do Diagnóstico das Ouvidorias Externas das Defensorias Públicas, pesquisa inédita da organização Fórum Justiça, publicada nesta quarta-feira (22). A Folha teve acesso aos dados com exclusividade.

foto mostra fachada de prédio com vidros, na qual se pode ler Defensoria Pública do Estado de São Paulo. brasão da defensoria acompanha texto
Sede da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no centro da capital - Bruno Poletti - 30.mai.2015/Folhapress

Os questionários da pesquisa foram aplicados entre 26 de maio e 15 de junho deste ano, com apoio do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensoria Públicas. O levantamento recebeu respostas de 15 dos 17 ouvidores em atividade.

Os dados de diversidade mostram praticamente uma inversão no perfil de raça em relação ao de um levantamento do ano passado da Associação Nacional das Defensoras e Defensores. Com 647 respostas entre 6.500 associados, 64,5% dos defensores que responderam à pesquisa se declaram brancos. Já as mulheres são 54%.

As ouvidorias externas têm a função de fazer um controle externo das defensorias públicas, colhendo reclamações e acompanhando o serviço prestado, mas avançam em alguns pontos em relação a ouvidorias de polícias, por exemplo.

O ouvidor tem uma cadeira no Conselho Superior da defensoria pública do seu estado, e pode propor mudanças no órgão e nos procedimentos. As pessoas que ocupam o cargo são eleitas em processos que variam de acordo com a unidade federativa, e não podem ser defensores.

A falta de uma estrutura definida em ouvidorias é um problema para a definição de tamanho e de orçamento. "Esses órgãos contam com estrutura ínfima, o quadro de servidores é insuficiente", diz Paulo Malvezzi, coordenador-executivo do Fórum Justiça.

Ele defende que os estados devem criar uma estrutura de trabalho, com a lotação de servidores, que podem ser comissionados ou de carreira. Isso inclusive está previsto na lei.

Outro ponto da lei que ainda falta cumprir é a própria criação da ouvidoria. A iniciativa para criar o cargo de ouvidor é do defensor público-geral de cada unidade. As defensorias foram procuradas pela Folha, inclusive para explicar como funcionam o controle externo e a participação social.

Algumas citaram leis aprovadas que devem permitir a criação da ouvidoria em 2024, e outros casos em tramitação. Em Roraima, a lei é de 2010, e a defensoria prevê a criação de uma Ouvidoria-Geral no ano que vem. A participação, segundo o órgão, é feita por canais de email, Fale Conosco no site ou redes sociais, o que também acontece em Minas Gerais e Tocantins.

Em Minas Gerais, a lei para criar o cargo de ouvidor-geral foi aprovada no ano passado e entrou em vigor em julho deste ano. Com eleições para o Conselho Superior neste mês, segundo a defensoria, o órgão diz que não teria tempo para organizar e seguir os prazos da escolha do ouvidor, o que deve acontecer no primeiro semestre do ano que vem.

Ainda não há prazo no Tocantins para a posse de um ouvidor-geral. A defensoria do estado discute uma proposta de regulamentação do processo eleitoral. As defensorias públicas de Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Sergipe não responderam até a publicação deste texto.

No Ceará, a historiadora Joyce Ramos, 41, primeira quilombola do país a ocupar o cargo, se prepara para levar a experiência de 20 anos em movimentos sociais à Defensoria Pública. Para ela, empossada em setembro, a militância no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e com estudantes e advogados populares será fundamental para as principais demandas no estado.

"A principal é moradia, mas também fazemos esse papel de interlocução entre defensoria e movimentos na sociedade, com suas demandas, seja de saúde, direitos humanos, consumidor, infância e juventude."

Para ela, o objetivo é ampliar o conhecimento das pessoas sobre os serviços oferecidos para além de questões criminais.

O reforço dessa identidade para lidar com questões delicadas marca a experiência de pouco mais de um ano de Soleane Manchineri, 38, à frente da ouvidoria no Acre. Primeira ouvidora-geral indígena no Brasil, ela não tinha a intenção de concorrer ao cargo.

"Eu tinha acabado de entrar na Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], e a Solene Costa, ouvidora anterior, disse que eu precisava concorrer porque não havia indígena e que ficaria difícil para os povos para assegurar direitos. Era um dever". Os conflitos agrários são o principal desafio no estado, diz Soleane.

Erramos: o texto foi alterado

A ouvidora Joyce Ramos tem 41 anos, não 44 como publicado incorretamente em versão anterior deste texto.

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